quarta-feira, 23 de julho de 2008

45.A derrota do vilão, a vitória do herói (6)

Gostaria de vos anunciar a derrota do vilão e a vitória do herói, de dar-vos essa esperança e essa certeza. Gostaria de vos prometer que o vilão, mais tarde ou mais cedo, acabará por se afogar no lamaçal que ele próprio cultivou, que acabará por provar o sabor das poções que tão maquiavelicamente engendrou para envenenar o herói. Gostaria de vos garantir que o universo conspira a favor dos bons e que a força das coisas é sempre positiva favorecendo o herói. Mas não posso. Nada disso vos posso anunciar, prometer ou garantir.

Se o fizesse era como o vilão, mentiroso e cobarde. A verdade é difícil e não é para os frouxos e indecisos. E se o fizesse, para além de mentiroso e cobarde, a História se encarregaria de me contradizer. A História diz-nos que nem sempre há heróis, ou que eles tardam, ou ainda que apesar da sua heroicidade nem sempre vencem, acabando muitas vezes vencidos.

O drama reside no tempo, na duração do reinado do mal, no desgaste que provoca no povo e na nação. Se for longo contai com os momentos em que tudo parece perdido e a libertação uma mera miragem, contai que nesses momentos o povo entrará em depressão, deixará de esperar, deixará de acreditar, deixar-se-á vergar.

Não existe nenhuma promessa ou garantia de que o bem triunfe sobre o mal, e sabendo isso o vilão inventou a mais perigosa das suas armas: a esperança. A esperança atrasa o homem. A esperança pode converter-se no pior inimigo do herói, se lhe for exterior, mais ainda do que o próprio vilão. A esperança que vem de fora, que conta com o nenhures algures, é oca e abstracta, é a desistência do homem, é a fuga da realidade para o subjectivo. Quando morreu a esperança comecei a viver, até aí vivia da esperança. Sei que isto é novo e é duro, mas é a verdade. “O tempo não se ocupa em realizar as nossas esperanças: faz o seu trabalho e voa.” (Eurípedes) Não é a esperança que realiza o teu trabalho, é o teu trabalho que fundamenta a esperança. É preciso, é crítico e imprescindível, que o herói não espere, que não conte com a esperança, mas que a faça, que a construa em cada momento, dia a dia. Assim haverá esperança! E é desta esperança, mas só desta, não suspiro mas suor, que sairá a vitória.

sábado, 19 de julho de 2008

44.D.Afonso Henriques - Fernando Pessoa

Pai, foste cavaleiro.
Hoje a vigília é nossa.
Dá-nos o exemplo inteiro
E a tua inteira força!

Dá, contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,

A bênção como espada,
A espada como bênção!

quarta-feira, 16 de julho de 2008

43.Duas faces da mesma moeda - 2.Alta corrupção

E quanto mais se afunda a democracia mais emerge a corrupção. Há assim uma equação em que a corrupção é inversamente proporcional à democracia – quanto mais corrupção, menos democracia – até que chega o momento em que o sistema, por razões de coerência, honra lhe seja feita, muda de nome, para um título mais a condizer com a sua personalidade, aparência e índole: de demo cracia para corrupto cracia.

Já lá vão mais de três décadas de regime e a corrupção alastra e aumenta, é um modo dandy de viver em sociedade, como diria Eça de Queiroz, ou talvez, é o modo dandy de se ser político e, ou, capitão de indústria, e não seria correcto dizer-se que o regime é completamente incapaz de lhe por cobro, mas antes que o regime não tem qualquer interesse em pôr-lhe cobro, já que nela, corrupção, joga a sua sobrevivência.

Há o medo de que a corrupção seja uma ameaça à democracia. Vêm atrasados. De facto a corrupção foi em tempos idos uma ameaça à democracia, depois foi deixada intencionalmente fora de controlo e durante décadas foi contaminando como doença difusa consumindo lenta mas inexoravelmente o país e a sociedade portuguesa, hoje é uma realidades institucional que arrasa, domina e substitui-se à democracia. Já o referimos: corruptocracia, só que há muitos de compreensão lenta… Há quem diga que é invisível. Só para os de olhar lento. Descobre-se em cada noticiário.

Quanto a números, como se houvesse números, a pseudo estatística é assim: primeiro, a maioria dos casos não são detectados, segundo, da maioria dos casos detectados, cerca de três quartos, apesar da instrução dos correspondentes processos-crime de corrupção, não chega sequer a tribunal, não passa da fase de inquérito, inquérito e arquivo, é o próprio ministério da justiça que o reconhece, terceiro, os detectados duplicaram na última década, quarto, dos chegados a tribunal uma quantidade apreciável morrem no meio das montanhas de papel, à espera da produção da melhor prova, ou arrastando-se de recursos em recurso até à prescrição, quinto, a esmagadora maioria dos ditos cujos envolve personalidades do mundo político e empresarial.

A Transparency Internacional (ONG – Organização Não Governamental) vem-nos dar a novidade de que em Portugal a corrupção no universo dos políticos e funcionários públicos aumentou. Já sabíamos. Apresenta um índice que denuncia o aproveitamento do serviço público em causa própria, quer dizer, abuso em benefício particular; são subornos a funcionários públicos, incluindo nestes os políticos, pagamentos por fora nas contratações do estado etc.

A OCDE (…) declara no seu relatório referente a 2007: “é insuficiente a luta que Portugal tem travado contra a corrupção”. Outra reprimenda que vem de fora para nossa vergonha.

A GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção) diz: “falta de uma estratégia de combate à corrupção e dos meios necessários, materiais, financeiros e humanos (…) Do número de casos registados, poucos são os que chegam à fase de julgamento (…) Nos últimos anos, numerosos processos foram abertos contra ministros, sindicalistas, autarcas, empresários, etc. Muitos destes casos tiveram que ser arquivados devido a prescrição, pois um dos problemas com os crimes de colarinho branco é o de certos advogados utilizarem o actual sistema, o qual permite contestar durante o desenrolar da instrução, cada acto individual do juiz de instrução, bem como os recursos ao nível do Tribunal Constitucional, que não suspendem o prazo de prescrição”.

Maria José Morgado (Procuradora-geral adjunta e directora do DIAP de Lisboa - Departamento de Investigação e Acção Penal) diz: “(…) o combate à corrupção em Portugal está, e há-de continuar a estar paralisado, por força da própria corrupção de alguns poderes públicos, da incapacidade conjuntural do MP para a detecção e combate do fenómeno e duma inevitável estratégia de combate ao crime que, por razões várias, ignora imprudentemente o problema-corrupção (…) Os processos penais deveriam ser mais cirúrgicos, o Ministério Público deveria ter formação específica no crime económico e os julgamentos deviam ser realizados em tempo razoável (…) Há casos que se arrastaram durante dez anos em recursos sucessivos nos tribunais superiores, fazendo com que o excesso de garantias seja tão mau como a falta delas, pois ambas conduzem à impunidade. (…) Estamos a falar de uma criminalidade muito específica e muito «resistente» às instâncias penais”.

Marinho Pinto (Bastonário da Ordem dos Advogados) diz: “existe em Portugal uma criminalidade muito importante, do mais nocivo para o Estado e para a sociedade, e andam por aí alguns impunemente a exibir os benefícios e os lucros dessa criminalidade, sem haver mecanismos para lhes tocar. Alguns até ocupam cargos relevantes no aparelho do Estado português, ostensivamente”.

Maria José Morgado aprova as declarações do Bastonário: “merecem o respeito das denúncias corajosas, pois as práticas corruptivas ao mais alto nível de Estado corroem a democracia e desacreditam as instituições – capturam as próprias funções do Estado, colocando-as ao serviço de interesses particulares”.

João Cravinho (ex-deputado socialista) diz: “ a maior corrupção é a corrupção de Estado, é a que envolve os maiores valores e implica a submissão dos interesses públicos aos privados (…) A corrupção de Estado só é possível pela conivência de quem tem um alto poder”.

Daniel Kaufmann (director dos Programas Globais do Instituto do Banco Mundial) garante: “a diminuição da corrupção poderia pôr Portugal na senda do desenvolvimento, ao mesmo nível da Finlândia (…) A corrupção acaba por resultar numa desproporção para as famílias com menores rendimentos: pagam mais impostos do que deveriam, e parte dos seus rendimentos são gastos em «subornos» para terem acesso aos serviços públicos. Numa estimativa, as transacções mundiais são «manchadas» pela corrupção em perto de um trilião de dólares”.

Todos dizem. São muitos a dizer. Raramente se encontra tanta concordância sobre um mesmo assunto e assunto tão grave. Não há polémica. A verdade não se discute!

Fui à internet, escrevi a palavra corrupção, seleccionei “Páginas em Portugal” e em 0,30 segundos apareceram-me 759.000 (…)

Tenho que acrescentar mais três frases: “Talvez convenha perceber duas coisas sobre a corrupção. Primeira, onde há poder, há corrupção. E onde há pobreza, há mais corrupção. Destes dois truísmos resulta necessariamente que quanto maior é o poder ou a pobreza, maior é a corrupção”. (Vasco Pulido Valente / Público) - “Muita coisa que pode ser feita contra a corrupção e os seus caminhos não precisa de novas leis, nem de polícias, nem tribunais, precisa de políticos que se incomodem com o que vêem e que actuem politicamente”. (Pacheco Pereira / Sábado) – “A capacidade de combater a corrupção é um aspecto da auto-regeneração da democracia”. (Luís Salgado de Matos / Público).

Será que alguém, que não os próprios, ainda duvida que a corrupção não é um caso de polícia mas um caso de política? Mude-se a política, mudem-se os políticos, mas mude-se o regime, e a corrupção mudará.

sábado, 12 de julho de 2008

42.Duas faces da mesma moeda - 1.Baixa democracia

A democracia portuguesa é das piores da Europa diz a Demos (ONG – Organização Não Governamental) que tem por missão “"pôr a ideia democrática em prática". Investigaram, estudaram e chegaram aquela brilhante conclusão e a conclusão está certa só que nós, por esta latitude e longitude, já o sabíamos, somos viajados, e de que maneira, bastava perguntar-nos. E depois aquela ONG apresenta um gráfico chamado "Everyday democracy index" e lá vem Portugal na cauda. Foi notícia durante uns dias na imprensa portuguesa. Houve risos sarcásticos «eu bem te disse…» e choros tristes «aonde é que isto vai parar…» Passados pouco tempo tudo normal, que o povo não gosta de infelicidades.

Uma coisa é a orgânica – a estrutura formal da democracia – outra coisa é a democracia propriamente dita, isto é, a vivência democrática de factu e não de jure. A democracia teórica não interessa para nada, letra morta em papel esquecido, tipo pergaminho bolorento perdido no entulho, só interessa a democracia prática, a democracia que se vive, que se respira, que se sente, que se cumpre, e a democracia formal que temos em nada corresponde à democracia quotidiana que vivemos.

Pela orgânica vemos coisas, sistemas e instituições, que de fachada são todas mais ou menos parecidas, mais desenho menos desenho, mais figura menos figura, mais órgão menos órgão, pela real vemos pessoas, cultura e atitudes e aqui é que a porca torce o rabo. Também já o sabíamos.

Quanto à cultura faltam cidadania e responsabilização, e quanto à atitude faltam empenho e participação, quando ambas, cultura e atitude, deveriam constituir o substrato da verdadeira democracia, seu fundamento e orientação, e deveriam a partir da prática inspirar a teoria. A teoria democrática existe para servir a prática democrática e não ao contrário. E porque é que faltam cultura e atitude? Porque falha o exemplo e o enquadramento!

O que está em cima dá péssimo exemplo de cultura e atitude, o que está em baixo imita-o; o que está em cima é prepotente, o que está em baixo desenrasca-se como pode, não tem nada que saber, é a lei do exemplo. É claro que há filhas sóbrias de mães bêbadas, e filhos honestos de pais gatunos, que o pecado ou o crime dos outros não justificam os nossos, mas uma coisa é falar da responsabilidade e consciência individuais, outra coisa é falar do estado ético e anímico do povo. Não sejamos irrealistas, se os governantes são maus e se o seu exemplo é péssimo é esse o enquadramento que o povo tem e será essa a moral que alastra e domina. O resto são cantigas.

Quer-se a decência? Então que se comece por cima pelo exemplo da decência. Quer-se mais democracia e menos corrupção? Então que se comece por cima pelo exemplo da democracia e da integridade. Que se comece sempre por cima porque é de cima que deve vir o bom exemplo e não se faça do povo bode expiatório do pecado e do crime que de cima lhe cai. E se o exemplo for bom, bom será o enquadramento, e sendo bom o enquadramento, bom será o povo.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

41.Vencer o Herói (5)

O vilão para realizar a sua ganância tem que vencer o herói, para isso se preparou, por isso se profissionalizou. Síndroma e demanda justificam-se uma à outra e convergem. Quanto mais poder, menos povo, ou dito de outra forma, poder à custa e contra o povo. Quando se quer servir o povo não se busca o poder pelo poder, este é uma consequência benévola e um fardo, e não um fim em si, malévolo e um troféu, é um serviço e uma missão, não um interesse e uma retribuição.

Para o vilão o povo não é sujeito, é objecto, não existe para ser servido, mas para dele se servir e com esta mente e visão e este coração e obsessão vai empenhar-se na luta contra o herói, com estratégia e táctica. Leva consigo um plano de combate, minucioso e exaustivo.

Primeiro, ofuscar, embotar e cegar.
É a época do embala, programa de governo e muitas juras. Tudo é possível, tudo se promete. O povo diz: muita areia para os olhos, mas o que é certo é que deixa-se ir na canção do bandido.

Segundo, humilhar, acabrunhar, curvar e avassalar.
Afinal não era bem assim, chega a realidade e está tudo como dantes. O bom do Zé é apanhado na teia prepotente da burocracia pública, vemo-lo de boina na mão de cá para lá a pedir por amor de Deus faça-me lá esse jeitinho.

Terceiro, dominar, subjugar, sujeitar e submeter.
E olhado pelo governo como pessoa de má fé, o homem é mau por natureza, etc. há que prevenir que nunca se sabe, etc. é vítima de legislação estúpida que o trata como estúpido, anacrónica que o trata como atrasado, contraditória que o trata como bruxo, feita em cima dos joelhos pelos boys dos partidos.

Quarto, docilizar, amansar, domar e domesticar.
O governo esperto, mas só para os incautos, acena com maços de articulados, quanto maiores e mais pesados mais valiosos, a que chama de reformas, mais uma mãozada de areia para os olhos, mais um enxerto na manta de retalhos, desbotada e puída, a esfacelar.

Quinto, abafar, amordaçar, calar, coarctar, coibir e reprimir.
E ai do verdadeiro, íntegro, competente e corajoso que se levante e denuncie, o rei vai nu! Logo se lhe trata da saúde, ou pela difamação, ou pelo fisco. O sistema não pode tolerar tais aves raras. Mas a quando dos seus próprios escândalos e broncas o governo tem uma palavra que safa tudo: inquérito. Abrem-se muitos, fecham-se poucos. Afinal vivemos na realidade e está tudo como dantes.

Sexto, manietar, aprisionar, algemar, acorrentar e agrilhoar.
O bom do Zé sente-se completamente impotente e não enxerga onde está a democracia. Quer participar mas é posto de fora. Entretanto o governo em vez da polícia política, demodé, usa a polícia fiscal, à la carte, em vez da segurança do estado evoca a insegurança do deficit, a partir daí inventam-se, duplicam-se e multiplicam-se impostos e multas, taxas e coimas, tributos e juros etc. e penhoras, penhoras e penhoras.

Sétimo, debelar, desbaratar e abater.
Mente às empresas, quase sempre às pequenas, contrata e não paga, é caloteiro, não se sabe o que faz dos fundos comunitários, fomenta o desemprego.

E finalmente vencendo, escravizar ou aniquilar.
É a falência das empresas, só no primeiro trimestre foram treze mil, lança multidões para a sopa dos pobres, forja um Portugal desesperado por baixo do verniz da mentira.

sábado, 5 de julho de 2008

40.Direitos Humanos e Tribunais

Marinho Pinto, Bastonário da Ordem dos Advogados, diz em entrevista no canal de televisão SIC Notícias, sem hesitação, directa e frontalmente, que os lugares em Portugal onde os direitos humanos são mais violados são os tribunais. Está gravado, é só questão de rebobinar.

O Bastonário é assim como o Presidente da dita Ordem, não é propriamente alguém que ia a passar pelos corredores dos estúdios daquele canal e foi filado por lotaria para um inquérito de opinião, representando portanto um juízo douto, experiente de lides e conhecedora de causas.

Ora esta afirmação, vindo de quem vem e recaindo sobre quem recai, é gravíssima, quanto ao seu significado e alcance, não havendo enviusamento possível por mais tortos que sejam os olhos, ou mais acerados que estejam os ouvidos. Tribunais só podem significar uma de duas coisas, se bem que comadres e entrançadas, ou a justiça, coisa abstracta, ou os juízes, coisa concreta.

E a gravidade, gravíssima, é que pelo menos umas das duas, a justiça ou os juízes, violam os direitos humanos, ou cada uma à sua vez, ou as duas de uma assentada e sendo comadres e entrançadas vá-se lá saber onde uma começa e a outra acaba.

Mas não nos afastemos em elucubrações da simplicidade eloquente daquela denúncia, já que ela é suficientemente eloquente por si própria, simples e fácil de perceber, não precisando de explicações ou aprofundamentos. O que interessa reter é que quando uma afirmação ou acusação deste tipo é produzida pelo patrono dos patronos num estado que se diz de direito muito haverá que endireitar pois de direito não tem nada.

E aqui das duas uma, ou achamos muito bem como está - os lugares em Portugal onde os direitos humanos são mais violados são os tribunais – e é só preciso mudar o nome do estado e do regime, podendo sempre ir buscar inspiração a uma ditadura do quinto mundo, ou talvez sexto, ou então reformamos, melhor dizendo, revolucionamos, a justiça e os juízes, que sendo comadres é melhor tratar dos dois de uma assentada.

Enquanto isto se passava em Lisboa, Noronha Nascimento, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – hesitei entre escrever as iniciais com letra grande ou pequena e acabei por cometer um erro de semântica – deslocava-se a Santa Maria da Feira – por coincidência na mesma sexta-feira de Junho do evento anterior – para solidarizar-se, palavra sua, com o fecho do tribunal local, provisoriamente instalado num pavilhão, assim parecia na reportagem da televisão pelas altas vigas e tectos, justificando esse fecho pela falta de condições. «Não há qualidade». São as suas palavras que retive da transmissão. Também se pode rebobinar para confirmar.

Fiquei muito contente, um encher de pulmão e um brado de louvor, apressando-me logo a solidarizar-me, para usar a mesma e sua palavra, com o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro na sua determinação de, não havendo condições, referindo-se seguramente à qualidade da justiça e dos juízes, aferrolhar o tribunal. Pois muito bem, se não têm qualidade nem a justiça nem os juízes que se interdite o estabelecimento. Não posso estar mais de acordo!

Homem de tão grande quilate, douto, experiente de lides e conhecedor de causas, como adjectivei o Bastonário, não iria com toda a certeza inquietar-se com ninharias como a cor das paredes, a altura do tecto, o desenho do mobiliário ou afins, coisas de forma e do corpo, mas teria, isso sim, o olhar elevado, já o advínhamos com magnitude, para coisas de conteúdo e do espírito. Afinal esse é o reino da justiça, da ética, da moral, dos valores e dos princípios e não as estantes, os ficheiros, as secretárias, as cadeiras e os afins.

E, de repente, tive um pressentimento: teria o Presidente do Supremo Tribunal ouvido nesse mesmo dia a grave acusação do Bastonário da Ordem dos Advogados e fazendo jus à sua posição e responsabilidade iniciado, homem sábio e valoroso, o saneamento dos tribunais, justiça e juízes, na demanda de endireita do estado?

E assim persuadido sosseguei. São destes homens, de visão profunda e ampla, que precisamos em tão altos cargos.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

39.Porque corre o vilão? (4)

Haveria de fazer-se uma psicanálise ao vilão, à legião.

Primeiro separando-os por caras, qualidades, afilhados conexos, etc. depois isolando-os um a um, em sala individual, de preferência bem ventilada, a seguir juntando-os em grupos, primeiro segundo critério de afinidades, depois aleatoriamente, e isto tudo muito bem feito, conforme método científico reconhecido, mobilizando os recursos financeiros, técnicos e humanos necessários a tão relevante investigação, obtendo inclusive o concurso de especialistas de renome, estrangeiros e bem pagos, e então, colher os dados, revê-los e revirá-los, sistematizá-los, dar-lhes lógica, por fim informatizá-los, encher toneladas de dvds dessa preciosa informação, utilíssima para todas as gerações, incluindo as vindouras, nada descuidando, nada relegando, e depois, uma vez o trabalho conscienciosamente concluído, com esmero, pronto e prestes à grande revelação, erguer em monumento a pilha gigantesca obtida, e deitar-lhe fogo.

Porque já se conhece a patologia, basta para isso perguntar ao povo, que nestas coisas é cientista. O vilão tem um síndroma já homologado que se chama sofreguidão de ganância de poder, quer mais, sempre mais, corre desenfreadamente por uma sofreguidão de ganância de poder. Coitado está sempre insatisfeito, já lá dizia Buda: “o desejo é a raiz de todo o sofrimento”.

Algures, um progenitor, um mentor, um estupor, conspurcou-o com a febre do poder e desde então não pensa, não sente outra coisa, entranhas cheias palpitantes de mando, de sucesso, de prestígio.

Inicia-se, estuda e aprende, Urdiduras e Teceduras, Tramas e Teias, decora e guarda, concluiu o tirocínio; prossegue, medita e assimila, Manobras e Estratagemas, Enredos e Intrigas, fixa e retém; continua, descobre e compreende, Maquinações e Conspirações, Conjurações e Fabricações, Conluios e Traições, regista e arquiva; ascende, industria-se e pratica, Ciladas e Emboscadas, Armadilhas e Ardis, Artimanhas e Artifícios, está quase um mestre de política; concluiu, Arrioscas e Aleivosias, Felonias e Insídias, temos vilão!

Estudioso aprimorado, discipulado excelente, diplomado com distinção. Inscreveu-se cedo no partido, leu Maquiavel e afins, educou habilidades, desenvolveu qualidades, forjou o carácter, temos vilão!

Tudo isto por culpa do síndroma.

sábado, 28 de junho de 2008

38.A quinta qualidade da inconsciência de o ser (3)

Há uma quinta qualidade curiosa que se junta às quatro primeiras na formação do carácter do vilão. É a inconsciência de o ser. O vilão tem esta característica peculiar que é a de não ter consciência de que é vilão. Quando se olha empertigado ao espelho só se vê estrela de telenovela, não vê nem o carácter, nem as qualidades e muito menos as afilhadas, só vê estrela! Espelho mágico, diz-me qual é entre todos os belos o mais belo?

Paradoxo interessante de ser tão vilão e não saber que se é, de ter tantas máculas e não saber que se tem, o que se explica por um fenómeno chamado perda de lucidez e que ocorre quando entra no sistema ou sobe ao poder. Ele até pode não ser um mentiroso compulsivo, ou um corrupto arreigado, ou um incompetente inveterado, ou um cobarde endémico, mas torna-se nisso tudo quando entra no sistema ou sobe ao poder, e quando os outros, os de fora ou de baixo, o chamam de vilão, falho de carácter e farto de pecados, fica muito indignado e ofendido, como se o difamassem injustamente, quando apenas, esses sim, são exemplo de lucidez, pois o facto de o rei ir em pelota não lhes acanha a vista. Então a culpa é do sistema? Não, a culpa é do vilão, legião, que faz o sistema que o faz a si, aconchega o corpo na cama que o há-de aconchegar, num jogo voluntarioso de promiscuidades perpétuo.

Se um dia porém o apanharmos de parte, o subtrairmos às más influências, no recato de um sofá e de uma lareira, onde não haja espelhos, ou de uma mesa recôndita num café discreto e sossegado, onde não hajam mirones, e ele se sinta simples, anónimo, sem ter que provar ao progenitor, mentor, ou estupor, até vai parecer uma pessoa normal, com laivos de bom senso, ideias razoáveis, sentimentos equilibrados, mas depois, logo que se escorra e se enfie, se apadrinhe e se promíscua, esquece-se de tudo completamente, muda de personalidade e volta à vida, ao carácter, às qualidades e às afilhadas do vilão.
Era preciso trazê-lo sempre à trela, nos bons princípios e convivências, afastá-lo das más companhias, que são tentação e perdição, mas convenhamos, que sendo já um homenzinho não só pareceria mal como cada um de nós já tem os seus que cuidar.

A questão é que a inconsciência, pela perda de lucidez, a ninguém ilibe e muito menos ao homem público; a inconsciência é a irresponsabilidade. O homem quer-se responsável, condição básica da sua racionalidade e ao político são exigidas, razão e responsabilidade acrescidas.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

37.As quatro qualidades do vilão e o cortejo de afilhadas (2)

O vilão compõe o seu carácter de quatro qualidades principais e um cortejo de afilhadas.

É mentiroso, mas de uma maneira enviusada – nem na mentira usa o olhar de frente, mente de lado – conforme as voltas e reviravoltas a dar para sair do labirinto onde se enfiou; rebuscada – imaginação e pretextos não escasseiam – conforme a largura e comprimento da manobra necessária ao engano; alternante – às vezes troca tanto que se troca - conforme a novidade da circunstância e a memória dos fregueses. No cortejo do mentiroso atropelam-se excitadas, a falsidade, a hipocrisia, o cinismo, a aldrabice, a intrujice, a torpeza, o despudor e o descaramento, estes vão nus.

É corrupto, não sagra o princípio, não absolutiza o valor, mas vende-se ao interesse e relativiza a verdade. É de circunstância, nem preto, nem branco, a modos que cinzento escorregadio, é uma cana ao vento. Na comitiva do corrupto apinham-se histéricas, a vigarice, a trafulhice, a falcatrua, a trapaça, o logro, o embuste, a burla e a fraude. São tantas que perde-se-lhes a cauda.

(Se falho de musa adjectivante, acendo a televisão, olho para eles, e logo a inspiração vem a golfadas.)

É incompetente, não sabe fazer, nunca fez, chegou lá por portas travessas, compadrios, clubes e derivados, e por lá se mantém graças a uma coisa que se chama confiança política e que em linguagem comum, simples, terra a terra, significa pacto de malfeitores – também há a expressão popular lei da rolha, ou para a cosa nostra, lei da omerta -. Na corte do incompetente banqueteiam-se impávidos, os básicos, os nabos, os broncos, os toscos, os empatas e os penduras como figurinhas de primeiro plano.

É cobarde, pois tudo o que faz, que não faz, é politicamente correcto e não sai como a mula doméstica da correnteza dos varais sob pena de, sendo incorrecto ou descabido, ver-se flagelado, primeira instância, ou expelido sem recurso, pelo sistema, que tem um pavor de morte destas desestabilizações anti-democráticas, que a liberdade é uniforme. No séquito do cobarde disfarçam-se medrosos, os esguios e os escorregadios, os untuosos, os atados, os moles, os frouxos e a fechar os maricas.

sábado, 21 de junho de 2008

36.O vilão é uma legião (1)

O vilão é uma legião, já o fora o diabo e os demónios, compridíssima e caleidoscópica, de inúmeras caras, desde a mais esbranquiçada, falta-lhe o sangue e a gana, à vermelhona, transbordando de humores, passando pela rosácea, aduladora ou manteigueira. Ao natural são todas insanas, mas tratadas não se descortina a treta, escondem-na na cosmética, nos liftings e sobretudo nas máscaras, mais práticas, facilmente descartáveis.

De resto, uma das particularidades do vilão é esconder-se e para isso reportório e artimanha não lhe faltam. Esconde-se atrás da política, da palavra e da promessa, esconde-se atrás do partido, esconde-se atrás da instituição e do cargo, esconde-se atrás da crise e destas vão-se inventando na variedade e gravidade recomendáveis, conforme o desenrasque urgir e a ingenuidade do povo permitir. É um escondidão. Fez do jogo das escondidas uma arte.

O vilão é o político, por estes tempos e locais ocidentais, é a legião que forma a classe política, ovelha e rebanho ranhosos da nação, e vai desde aprendiz tenro a veterano musculado.