sábado, 23 de fevereiro de 2008

08.A justiça ao serviço do poder económico

“… a questão é ter padrinhos que desculpem o homicídio e mil cruzados para pôr na balança, nem é para outra coisa que a justiça a leva na mão. Castiguem-se lá os negros e os vilões para que não se perca o valor do exemplo, mas honre-se a gente de bem e de bens, não lhe exigindo que pague as dívidas contraídas, que renuncie à vingança, que emende o ódio, e, correndo os pleitos, por não se poderem evitar de todo, venham a rabulice, a trapaça, a apelação, a praxe, os ambages, para que vença tarde quem por justa justiça deveria vencer cedo, para que tarde perca quem deveria perder logo. É que, entretanto, vão-se mungindo as tetas do bom leite que é o dinheiro, requeijão precioso, supremo queijo, manjar de meirinho e solicitador, de advogado e inquiridor, de testemunha e julgador, se falta algum é porque o esqueceu o padre António Vieira e agora não lembra.” (José Saramago – Memorial do Convento)

Víramos antes um exemplo, a cavalgada do fisco sobre os 120.000, da apropriação abusiva pelo poder executivo da competência judicial, veremos agora o poder económico a corromper a justiça.

Promiscuidades há-as variadas. Aqui o estado de direito desequilibra a balança para os ricos, e nos ricos sobretudo para as grandes empresas em que a pessoa é um número e o tempo não faz mossa.

A justiça em Portugal depende do dinheiro que se tem ou da falta dele, do advogado, que custa, das taxas, que custam, das custas, que custam, das do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, das da Procuradoria, das da parte, das outras que hão-de vir mais e de surpresa, que aí se cumpre o estado fiscal, que o de direito não se realiza, não na dupla tributação mas na múltipla tributação, «já paguei por antecipação o serviço público!» dirá o contribuinte confiado, «paguei-o no IRS ou no IRC, nos directos e nos indirectos!», «sim, pagaste, mas agora sempre que precisares de mim, haverás de me pagar outra vez, que os outros não contam» responderá doutamente o desgoverno da nação, e depois das custas, que custam, do tempo que custa, de tudo o que pesa e aperta os pobres, leia-se em sentido amplo, os que vão de pobres a não ricos e que são muitos, digo, a maioria, o que aligeira e desaperta os ricos.

É uma justiça feita à medida do poder económico. Quem o tem, ao poder, tem a justiça, quem não o tem fica-se pelo atropelo.

A maior parte das acções dos pobres, falemos portanto dos não ricos, são de defesa e não de queixa ou ataque, não são para enriquecer, são para não empobrecer mais, mas com este sistema quem já tem pouco com menos fica e quem já tem muito com mais fica, o pobre vai ficando cada vez mais pobre e o rico vai ficando cada vez mais rico. É uma justiça injusta.

O advogado bom tem mais probabilidade de ganhar, mas é mais caro, e porque é que é bom? Porque usa uma lei especial? Mas a lei não é só uma e igual para todos? Então se é só uma e igual para todos como é que há advogados bons? Mistério complexo a reflectir e decifrar… Não direi que a lei escrita, o texto, os artigos não sejam os mesmos, mas direi que a lei no sentido mais amplo, da interpretação, da argumentação, da apreciação da valoração e do juízo, isto é, a lei instituição, é manifestamente diferente, podendo de facto ser especial de um caso para outro. Assim a lei não é por si, a lei faz-se depender, de quem? Do advogado bom! Assim também, e logo, tempo e dinheiro moldam a lei.

O governo porém reclama da minha crítica, pensou antes em ignorar-me com desprezo, «não sabe do que fala», depois achou por bem sair a terreiro e proclamar que há muito legislou sobre a igualdade do acesso à justiça, ou sobre o quase gratuito acesso ao direito.

De facto escreveu, gastou pessoas, tempo e recursos e pôs cá fora com despudor, impudência, desfaçatez, descaro, desvergonha, tudo sinónimos em redundância intencional o que chama de acesso ao direito. Ora vejamos…

Uma mãe sozinha com três filhos a seu cargo, marido e pai desaparecido, empregada numa fabriqueta e ganhando o ordenado mínimo nacional, por isso e por não conseguir fazer face às despesas da família beneficiando de apoio do banco alimentar contra a fome, é ludibriada numa compra a prestações, mobiliário que adquiriu para os filhos, e vê-se com um processo às costas instaurado pelo fornecedor do mesmo. Pergunta-me o que há-de fazer e digo-lhe para ir à Segurança Social requerer apoio judiciário. Lá vai ela, ingenuamente e mal aconselhada, culpa minha, igualmente ingénuo, que a fiz perder tempo, e obtém defraudada na sua esperança, qual cidadã escrava do despotismo do estado, enquanto eu fico de boca aberta, a seguinte sentença: «a senhora não tem direito a apoio judiciário porque o seu rendimento líquido é superior ao que a lei estabelece», note, quem não saiba destas coisas mesquinhas dos pobres, que a dita lei estipula um rendimento líquido máximo de 375€ mês para poder ter acesso ao direito. Ora, 375€ por mês com três filhos dá para quê? Segundo o pensamento do legislador para um adulto e três crianças viverem, sobejando ainda capital para contratar um advogado, não daqueles bons… e suportar todas as custas judiciais. O que é que se chama ao homem, aos homens, à instituição, às instituições que estiveram e estão por detrás desta lei? Não vou fazer comentários, nem dar respostas. O caso é de tal forma escandaloso que não precisa de patrono.

Portanto, é este o conceito que o governo tem da igualdade no acesso à justiça. O governo prevê o acesso ao direito não para os pobres mas para os miseráveis e para estes de que é que lhes serve o direito? O que é que aquela mãe, uma entre muitas, vai fazer a seguir? Onde pára o estado de direito para ela? Onde se escondeu a balança equilibrada da justiça?

Os intelectuais preocupam-se muito com a liberdade e fazem bem, mas pode haver liberdade sem pão?

Outros casos houve, outras mães, também pais, pediram-me ajuda e outro remédio não tive que mendigar o patrocínio probono de advogados conhecidos.

Há uma clara contradição na nossa democracia. Uma democracia política não pode existir sem uma democracia económica, não se pode pretender por uma lado aproximar as pessoas politicamente afastando-as economicamente. É um contra-senso de rupturas.

Gostaria de terminar invertendo o título com que comecei, da justiça ao serviço do poder económico para, do poder económico ao serviço da justiça. Poderia haver melhor consagração do capital que promover a justiça dos povos?

Medida 3

Que medida poderei propor que todo o bom senso não tenha já reclamado? Para que efectivamente, não teoricamente, haja igualdade no acesso á justiça, sem descriminação económica, pois a limitação do direito por razão económica é a contradição do próprio direito, que se quer daquela independente, é preciso que ambas as partes gozem à partida de igualdade de oportunidade, de defesa ou acusação, independentemente dos seus recursos e no caso da falta destes, por qualquer das partes, deverá o estado patrociná-los de modo a que a mesma não perca o direito de justiça e a sociedade se honre e dignifique a si própria, porque uma sociedade que aceita a desigualdade na justiça é uma sociedade que perdeu a alma.

07."Pátria"


Guerra Junqueiro

"Um povo imbecilizado e resignado,
humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo,
burro de carga,
besta de nora,
aguentando pauladas,
sacos de vergonhas,
feixes de misérias,
sem uma rebelião,
um mostrar de dentes,
a energia dum coice,
pois que nem já com as orelhas
é capaz de sacudir as moscas;
um povo em catalepsia ambulante,
não se lembrando nem donde vem,
nem onde está,
nem para onde vai;
um povo, enfim,
que eu adoro,
porque sofre e é bom,
e guarda ainda na noite da sua inconsciência
como que um lampejo misterioso da alma nacional,
reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (...)


Uma burguesia,
cívica e politicamente corrupta ate à medula,
não descriminando já o bem do mal,
sem palavras,
sem vergonha,
sem carácter,
havendo homens
que, honrados (?) na vida íntima,
descambam na vida pública
em pantomineiros e sevandijas,
capazes de toda a veniaga e toda a infâmia,
da mentira à falsificação,
da violência ao roubo,
donde provém que na política portuguesa sucedam,
entre a indiferença geral,
escândalos monstruosos,
absolutamente inverosímeis no Limoeiro (...)


Um poder legislativo,
esfregão de cozinha do executivo;
este criado de quarto do moderador;
e este, finalmente, tornado absoluto
pela abdicação unânime do país,
e exercido ao acaso da herança,
pelo primeiro que sai dum ventre
- como da roda duma lotaria.
A justiça ao arbítrio da Política,
torcendo-lhe a vara
ao ponto de fazer dela saca-rolhas;


Dois partidos (...),
sem ideias,
sem planos,
sem convicções,
incapazes (...)
vivendo ambos do mesmo utilitarismo
céptico e pervertido, análogos nas palavras,
idênticos nos actos,
iguais um ao outro
como duas metades do mesmo zero,
e não se amalgamando e fundindo, apesar disso,
pela razão que alguém deu no parlamento,

de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)"

sábado, 16 de fevereiro de 2008

06.A mentira do "estado de direito" em Portugal

Recordando… o regime democrático e o estado de direito assentam sobre a sagrada separação de poderes: o legislativo – que compete à assembleia de deputados – o executivo – que compete ao governo – o judicial – que compete aos tribunais. Ora, não é isso que acontece em Portugal, não existe separação mas promiscuidade e, ou, usurpação de poderes, logo, a expressão “estado de direito” é oca de fundamento, logo, o regime é vazio de democracia, portanto, é imperioso repor a legalidade constitucional, recuperando a justa democracia, restabelecendo o estado de direito.

É uma ditadura irritante, escorregadia, a nossa, que se veste hipocritamente da ilusão das formas exteriores de representatividade e participação para gozar de prepotência e opressão interior. Perigosa mas esperta.

Mas provemos o esteio do nosso repúdio e a base factual do nosso argumento, desmascarando a falácia do estado de direito quando o poder executivo se apropria com descaro mas impunemente do poder judicial.

O fisco, expressão pejorativa popular já de si eloquente em significados, pode a bel-prazer da sua incompetência e, ou, negligência, faço por ora silêncio na acusação de má fé, penhorar – acto judicial – quem lhe saia a jeito, para azar do próprio, no mostrador informático x da secretária y da repartição z, todas de morada incerta, de novo o mesmo xerife de Nottinghan, reencarnado, com novas e sofisticadas ferramentas, agora de destruição massiva, e inclusive perpetrar duma assentada dois crimes, aqui já não me coíbo da acusação dura e crua, primeiro, o que já se viu, o de sentenciar e executar em causa própria, o segundo, o de penhorar para além do legalmente permitido, pois casos houve neste saque sobre 120 000 em que agarrou os cem por cento do salário, atirando para as sopas da misericórdia novos comensais, isto é, apresando num cofre, a propósito roto, o que vai corroer noutro, o do desemprego.

Apeteceu-me intervalar a meio desta fastidiosa exposição, sem respiração por intenção, quando narrava o saque sobre os 120 000, pois apareceu no meu imaginário, teimosamente sem arredar, a figura do xerife em carga desabrida com seus esbirros perfilados sobre a população indefesa, antes campesina agora urbana, e os sequazes a desculparem-se «eu cumpro ordens, eu cumpro ordens…»

Continuando… o fisco tem a hipocrisia de permitir, leia-se a prepotência do abstracto do aparelho sobre o real, princípio e fim da sociedade, a pessoa, de permitir, dizíamos, ao coitado do azarento apanhado, mas que já são muitos para só ser azar, uma reclamação graciosa, expressão interessante, ou uma impugnação judicial, da qual passamos ao lado, pois se já não tem sustento como é que nutre o advogado, mas curiosamente, ou por outra e melhor sadicamente e apesar da reclamação ou impugnação não interrompe a execução continuando a sua devassa predadora.

As minhas desculpas pela reincidência compulsiva do estilo, mas isto enfastia muito ao ponto do repúdio, digo revolta.

Afinal por detrás disto tudo está uma coisa simples, o axioma de que o estado é pessoa de bem e o cidadão pessoa de mal. Somos uma cambada de bandidos!

Se um dia, sub-nutrido, física ou psicologicamente, ou as duas, encostado ou amparado, este coitado ou azarento cidadão vier a recuperar o que era seu, não se admire que algum do dinheiro tenha ficado pelo sistema, no mostrador x, na secretária y ou na repartição z, não se sabe bem aonde, mas não conte com os juros do empréstimo forçado que fez, também não se sabe a quem, porque o estado está roto, e para ter a ilusão de que os vai reaver terá que os reclamar e tornar a esperar, só que o mais natural e compreensível é que entretanto tenha emigrado, se tiver idade e estofo para isso, ou que tenha aprendido à sua custa, porque até agora só tinha acontecido com os outros, para da próxima vez ludibriar o fisco ou xerife no bosque e em legítima defesa, ou, mais radical, mas não menos patriótico, tenha passado para o reviralho, quer dizer, tenha entrado na clandestinidade.

Penhorar 120 000 ordenados é não só um acto criminoso, como de grande estupidez política.

Medida 1
a) Acabar de imediato com todos os actos judiciais do fisco, que já chega de pouca vergonha;
b) criar em simultâneo um tribunal fiscal que considere, não em forma mas em convicção, ambas as partes, estado e cidadão, pessoas iguais e de boa fé;
c) descentralizar a justiça instalando estes tribunais fiscais, agora chamados de comunitários, nas freguesias, dotando-os de júris mistos formados por um juiz de carreira e dois anciãos sábios da comunidade, entretanto relegados ao ostracismo pelo sistema, sendo todos em sistema rotativo;
d) transferir parte dos funcionários das finanças para os tribunais comunitários de freguesia para não criar desemprego com a condição de, mudança de patrão, mudança de cultura.

Medida 2
a) obrigar os bancos, como castigo pela especulação desenfreada dos dinheiros que a sua ganância tem acicatado, a uma linha de crédito sem juros a favor dos cidadãos com dívidas provadas, para que estes paguem ao estado o que devem;
b) castigando agora estes mesmos cidadãos impedindo-os de continuarem uma vida desregrada de empréstimos e cartões para todas essas coisas de adornos que são muitas. (pelo meio proibiam-se todas essas firmas de agiotagem, mandando rapidamente os seus patrões e colaboradores para empregos honrados, que andam a oferecer dinheiro em vinte e quatro horas a vinte e tal por cento… mas sobre o sector financeiro hei-de falar oportunamente)

sábado, 9 de fevereiro de 2008

05.O governo é servo do povo!

Faço uma pausa para aclarar um conceito: o governo é servo do povo! É preciso perceber donde parto, qual é a minha posição, para compreender porque falo, do que falo e como falo. Assim as Crónicas de Repúdio ganham sentido. Dizia… num regime democrático, repito e reforço, o governo é servo do povo! A única utilidade do governo é servir o povo, a única utilidade das instituições públicas é servirem os cidadãos. Não há outra! E quem não estiver de acordo com este meu conceito e posição, que acabo de aclarar e precisar, dificilmente poderá partilhar dos meus repúdios.

Posto isto e retornando ao meu desencanto… podem os políticos fazer todos os malabarismos que quiserem, dar todas as piruetas de retórica e cambalhotas de semântica que lhes apetecer, rebuscar os sinónimos de que se lembrarem, que o conceito e a verdade, simples e clara não muda, é sempre a mesma: o governo é servo do povo! (É de elementar pedagogia repetir esta frase sem medo de exaustão, por tão esquecida). O governo é um meio, nunca um fim. Ora em Portugal, que dos outros ocidentais não falo, perdeu-se esta noção básica e princípio rudimentar, mas decisivo, da democracia, mais, inverteu-se de forma sinistra a justa posição das partes. Em Portugal o povo é servo do governo, o governo é senhor do povo.

Para remediar, se ainda a tempo, aconselho com gravidade todos os governantes a colocarem em cima das suas secretárias de trabalho uma moldura, para os mais atentos, uma estátua, para os mais distraídos, enfim qualquer artefacto, que seja bem representativo do povo que servem, de forma a sempre se lembrarem de quem é o seu Rei e das razões porque se sentam nessa secretária. Depois, que se ponham de joelhos para servir o povo, se essa posição melhor os favorecer no exercício do serviço que juraram honrar, lembrando-se sem cessar de que o vosso ofício é de verdadeiro sacerdócio, e para tal, mais aconselho com igual peso, a escreverem em letras douradas e forçosamente à frente dos vossos olhos de modo a que só os fechando o poderão ignorar: sou servo do povo e estou aqui unicamente para o servir com toda a minha honestidade e competência, nunca sobrepondo os meus interesses pessoais aos do senhor que sirvo, sabendo que nada é meu, mas tudo dele. Depois, ainda, para que nunca vos esqueceis da vossa missão, procedam escrupulosa e disciplinadamente ao seguinte ritual diário: ao entrar e ao sair do gabinete, que o povo vos cedeu temporariamente, parem um momento para ler a frase das letras douradas, sem pressas, serena e convictamente, com se fosse um mantra, para que ela vos entre bem dentro, se enraíze na vossa mente e sobretudo molde o vosso coração. Tornem a lembrar-se, lembrando-se continuamente, de que é o povo que vos alimenta, não só o corpo mas também a alma, e por isso sejam frugais quanto ao primeiro e generosos quanto à segunda, quando vos tentarem com mordomias resistam á tentação e se necessário for protejam-se no hábito do frade, que o hábito faz o monge, porque é isso que no espírito deveriam abraçar, os votos de obediência – ao povo – de castidade – para com o povo – de pobreza – porque nada é vosso, mas tudo é do povo.

Se o estado de espírito dos governantes fosse este o regime tornar-se-ia bom, o governo tornar-se-ia bom e podem ter a certeza de que o povo se tornaria o melhor do mundo. Afinal o grande problema está no espírito com que o funcionário adere à causa e serve a governação, que não pode haver outro senão o do sacrifício serviço ou serviço sacrifício. Com este espírito quase todos os problemas da má governação ficariam resolvidos, porque a honestidade decorre naturalmente da influência que sobre ela aquele bom espírito exerce.

Cada governante e cada funcionário público, isto é, cada empregado da coisa pública, que se faça humilde e solícito para cada cidadão, afinal ele vem da parte do seu Rei, o povo, que cada um sirva, mas sirva bem, não é preciso nem convém que faça mais nada, senão não presta para governar, mantendo sempre e religiosamente na cabeça um único pensamento: servir sempre, mais e melhor. Livrem-se porém de continuar a fazer o que têm vindo a fazer, de se julgarem senhores e fazerem de nós servos, de fazer aquilo que nós não queremos não fazendo aquilo que nós queremos, dando cabo do governo e do regime e sobretudo atraiçoando a confiança que em vós depositámos.

Se o remediar ainda for a tempo, que o tempo se esgota, reponham a legalidade democrática da vossa governação, ou dão definitivamente cabo para além do governo do regime e do país, senão tenham a dignidade de se demitirem e entregar o governo ao povo.

04.General Garcia Leandro - "Se sinto a revolta..."

"O modo como se tem desenvolvido a vida das grandes empresas, nomeadamente da banca e dos seguros, envolvendo BCP e Banco de Portugal, incluindo as remunerações dos seus administradores e respectivas mordomias, transformou-se num escândalo nacional, criando a repulsa generalizada.

É consensual que o país precisa de grandes reformas e tal esforço deve ser reconhecido a este Governo (mesmo com os erros e exageros que têm acontecido).

Alguém tinha de o fazer e este Governo arregaçou as mangas para algo que já deveria ter ocorrido há muito tempo. Mas não tocou nestes grandes beneficiários que envergonham a democracia, com a agravante de se pedirem sacrifícios à generalidade da população que já vive com muitas dificuldades.

O excesso de benefícios daqueles administradores já levou a que o próprio Presidente da República tivesse sentido a obrigação de intervir publicamente.

Mas tudo continua na mesma; a promiscuidade entre o poder político e o económico é um facto e feito com total despudor.

Uma recente sondagem Gallup a nível mundial, e também em Portugal, mostra a falta de confiança que existe nos responsáveis políticos deste regime.

Tenho 47 anos de serviço ao Estado, nas mais diferentes funções de grande responsabilidade, sei como se pode governar com sentido de serviço público, sem qualquer vantagem pessoal, e sei qual é a minha pensão de aposentação publicada em D.R.

Se sinto a revolta crescente daqueles que comigo contactam, eu próprio começo a sentir que a minha capacidade de resistência psicológica a tanta desvergonha, mantendo sempre uma posição institucional e de confiança no sistema que a III República instaurou, vai enfraquecendo todos os dias.

Já fui convidado para encabeçar um movimento de indignação contra este estado de coisas e tenho resistido.

Mas a explosão social está a chegar. Vão ocorrer movimentos de cidadãos que já não podem aguentar mais o que se passa.

É óbvio que não será pela acção militar que tal acontecerá, não só porque não resolveria o problema mas também porque o enquadramento da UE não o aceitaria; não haverá mais cardeais e generais para resolver este tipo de questões। Isso é um passado enterrado. Tem de ser o próprio sistema político e social a tomar as medidas correctivas para diminuir os crescentes focos de indignação e revolta.

Os sintomas são iguais aos que aconteceram no final da Monarquia e da I República, sendo bom que os responsáveis não olhem para o lado, já que, quando as grandes explosões sociais acontecem, ninguém sabe como acabam. E as más experiências de Portugal devem ser uma vacina para evitar erros semelhantes na actualidade.

É espantosa a reacção ofendida dos responsáveis políticos quando alguém denuncia a corrupção, sendo evidente que a falta de vergonha deve ser provada; e se olhassem para dentro dos partidos e começassem a fazer a separação entre o trigo e o joio? Seria um bom princípio!

Corrija-se o que está errado, as mordomias e as injustiças, e a tranquilidade voltará, porque o povo compreende os sacrifícios se forem distribuídos por todos."

sábado, 2 de fevereiro de 2008

03.Dois ministros em fuga ou enxotados...

Esta semana houve uma coisa menos má; o ministro da saúde (estão ambos em itálico porque ambos são mentira) ou desertou cobardemente depois de toda a porcaria que fez, ou foi demitido, irradiado, expulso, posto fora, escorraçado, vá-se lá em política saber qual das duas versões é verdade, se deu de sola, se foi enxotado…

Este rapaz, de que me contenho de dizer o nome por parcimónia e resguardo de intimidade, foi de largos descaramentos. Lembram-se, por exemplo, de ele ter notificado o Bastonário da Ordem dos Médicos – Pedro Nunes – no sentido de se alterar o Código Deontológico (imaginem só a prepotência e despudor do poder político em querer violentar a consciência da classe médica) para que o aborto passasse a ser um acto ético, ao que e naturalmente o Bastonário lhe respondeu que tinha feito o Juramento de Hipócrates.

Talvez lhe fosse, para aquele desministro, pedagogicamente útil, mas já descreio, receber uma cópia do dito juramento. E fez mais tropelias. É o mesmo que tentou o aniquilamento das capelas nos hospitais e respectivos capelães, é o da reforma da saúde, nome pomposo que significa fazer da saúde um negócio e do doente uma coisa… e o que mais falta e que é excessivo, muito me enfastia de enumerar, mas o mundo não ignora e é minha testemunha.

E vai um e vão dois. Vai também a da incultura, que por iguais pruridos não trato pelo nome, mas o problema é saber quem é que agora limpa e reconstrói o sujo e destruído, porque o desgoverno trôpego e quebrado de que são filhos arrasta-se no seu esbarrigar desavorgonhado.

02.O energúmeno xerife de Nottingham e seus esbirros...

Voltando a esta frase da crónica anterior, explico-me: na demora de D. Sebastião, sempre relembrado em épocas de crise e que constitui magnífico arquétipo desse virtuoso por aparecer, que muito mais não pode tardar, vindo de espada erguida encabeçar o movimento de regeneração nacional, sonho com Robin dos Bosques, que recuperava dos ricos o que era dos pobres.

A Inglaterra era então governada por um falso rei, o príncipe João (primeiro paralelo com a nossa história e a nossa crise, porque falso é aquele que em democracia não interpreta nem defende os interesses do povo) representado no Condado de Nottingham por um xerife execrável (segundo paralelo, porque execráveis são todas as instituições e funcionários públicos – louvadas as excepções – que em vez de servir os cidadãos se servem dos cidadãos, em vez de praticar o bem público, engrossam o mal público).

Ambos, João e o xerife, ficaram com o estigma histórico de espoliarem com os seus impostos a população do condado (terceiro paralelo, porque à ilusão de um Estado de Direito sucedeu o pesadelo de um estado fiscal).

Robin aparece então como o salvador do povo, defendendo-o da prepotência, petulância e injustiças, era mais fácil dizer, roubo, do xerife de Nottingham, lutando também por devolver o trono ao rei Ricardo (quarto paralelo, neste caso ainda por realizar e que muito mais não pode tardar, pois anuncia-se a vinda messiânica de um salvador que acabe com as falcatruas e as incompetências e devolva o poder ao seu legítimo rei, o povo!