sábado, 26 de abril de 2008

22.Três homens, uma indiferença, uma mentira e um voto

Zé decidiu votar em branco. Decisão reflectida e coerente. Qualquer outra opção fá-lo-ia perder o respeito por si próprio. Mas não foi fácil, para lá chegar e assim concluir e dispor, teve que vencer dois tenazes opositores, que do terceiro, o da revolução, aqui não nos detemos, cada um com seu magistério da verdade.

O primeiro foi o Segismundo, que para fazer jus ao nome, era chupado como se imagina, bigode prematuramente grisalho e o resto por esse caminho, que clamava: «eu cá, abstenho-me! Não pactuo com nenhum desses aldrabões!» Para ele a generalização simplista: «é político, logo aldrabão!» Segismundo cansara-se, eram muitos anos de desilusão engolida; já sofrera toda a democracia. Homem desenganado que se vivesse no tempo do grupo jantante a ele se reuniria com vénia, ou no Café Tavares ou no Hotel Bragança, e com ele haveria de partilhar o conceito: "Para um homem, o ser vencido ou derrotado na vida depende, não da realidade aparente a que chegou – mas do ideal íntimo a que aspirava".

O segundo foi o Inácio, sem particularidade física de realce que não fosse uma normalidade ressentida, quer dizer, tinha pena de no aspecto ser igual ao comum dos portugueses, sem fisionomia que destacasse, com excepção de uma careca precoce. Homem fiel às urnas, sempre de opinião preparada, tivesse ou não convicção que a escorasse, ora votando no partido social-democrático, ora votando no partido socialista, conforme o ar fosse e o vento soprasse, «de acordo com o que a situação impõe!» explicava doutamente, advogando para este estado de decepção que apesar de tudo reconhecia, o voto útil. Não é que concordasse com o partido que ia sufragar, mas justificava-se na presunção de atenuar a sua contradição: «do mal o menos». Inácio considerava-se um pragmático; homem de apurado sentido da realidade, a sua, está claro.

E assim eram os dois e o nosso Zé matutava. Ouvia-os com paciência e congeminava com prudência, à luz da inteligência e na distância da lucidez. Fazia este exercício de se colocar no lugar da História para daí ter maior visão e abrangência.

Para os três, e só nisso aparentemente se punham de acordo, votar por convicção em qualquer dos dois partidos susceptíveis de governo que se apresentavam às eleições nesse ano de 2009, relembre-se, psd ou ps, estava completamente fora de questão, seria, assim o confirmavam, a maior das incoerências imagináveis, atendendo, ora ao mal fazer, ora ao não fazer, à vez, ora tu, ora eu, sem reserva de arrependimento e nalguns casos de consciência, porque nem sabiam o que faziam, e da incúria com que ano após ano, rodando um sobre o outro, iam em cumplicidade promíscua levando o país na modorra da pasmaceira.

Para o Zé ainda lhe saía mais grave. Então não era que o bom povo apesar de passar os quatro anos de governo a dizer mal com causa e fundamento, revoltado e cheio de boas razões, na altura das eleições lá ia, como papalvo depressa esquecido, botar o papel no esquife? Não! Com ele, essas levianas falhas de memória nunca poderiam ocorrer sob pena de perder todo o respeito por si próprio.

Aproximemo-nos então dos três amigos, ouçamos o seu diálogo, penetremos no seu pensamento, aquilatando das suas razões e fundemos por fim, mas com virtude, a nossa sentença.

O Zé dizia ao Segismundo:

- A ti já te percebo. Pela abstenção das duas uma, ou rejeitas qualquer dos partidos ou repudias o regime.

E o Segismundo respondia:

- A última, a última, está claro, repúdio total e completo do regime. Não pactuo mais com esta cambada. Não vês que o regime caiu de podre? Continuar a votar é ser cúmplice da corrupção e da incompetência. Se todos se abstivessem seria a prova provada, da falência do sistema. Era o grito do povo, basta! E então teria que se inventar outro sistema, outro regime, que não o destes partidos sem ideologia em rotatividade permanente, cúmplice e promíscua. E rematava: «A abstenção é o voto verdadeiramente inteligente e consequente!»

E o Zé retorquia:

- A tua utopia, deixa-me que lhe chame assim, tem duas falhas sobre as quais o teu edifício retórico ruirá antes mesmo de ser erguido, isto é, a acontecer como dizes nunca aconteceria como esperas. Explico-me. A primeira falha no teu discurso é que nem toda a gente que se abstém o faz por intenção, mas muita há que o faz por indiferença, negligência, preguiça e todos os demais adjectivos do está-se marimbando, quer dizer, da abstenção não se pode inferir linearmente que se está contra o regime, o que já pode acontecer com o voto em branco, este sim, é completamente diferente, tem intenção clara, duma só leitura, única e inequívoca, como mais à frente e quando chegar a minha vez provarei pela lógica irrefutável da razão. A segunda falha que abriste tem a ver com a eficácia da abstenção, que é nenhuma, que é nula, uma vez que, e aqui entra de novo a tua utopia, a abstenção nunca será de cem por cento, pela simples razão de que, pelo menos os que já lá estão, bem aliciados no poder, sempre haverão de votar em si mesmos, para de lá não se despegarem, correndo tu o risco, com a inteligente e consequente abstenção, como lhe chamaste, de lhes dar de mão beijada a maioria absoluta. Em vez de os castigar ainda os premeias… Espera, deixa-me acabar. Imagina por exemplo que a abstenção era de noventa e cinco por cento, e tu eufórico e os políticos ralados, porque dos míseros cinco por cento sobrantes poderiam sacar uma maioria absoluta para governar. Vê por exemplo o que aconteceu em 2005. O partido das abstenções foi o partido maioritário com 34,98% de votos, seguido pelo partido socialista com 29,29%, no entanto este último governa com maioria absoluta, o que significa que em cada dez homens três impõem a sua vontade contra a de sete. É claro que um partido com uma maioria absoluta assim forjada nunca a deveria ter pois governa em tirania contra a maioria. Obviamente que não é uma democracia, é uma ditadura, não é a vontade da maioria que impera mas a da minoria que ordena, por obra e graça de uma aritmética anti-democrática engendrada por quem costurou o poder a seu feitio. É trágico mas é verdade; assim se funda o nosso sistema democrático sobre defeito gritante que lhe contradiz o seu espírito. Portanto, meu caro, quando te absténs favoreces a ditadura dos menos sobre os mais, servindo exclusivamente quem se serve do poder. Resumindo e acabo agora, fica provado que a abstenção, tal como as contas são feitas, melhor dizendo, desfeitas, é um regalo para os que lá estão, ou para os que querem para lá voltar, nada aproveitando às verdadeiras maiorias.

E o Segismundo convenceu-se.

E o Zé voltou-se para o Inácio e disse-lhe:

- Tu, meu caro, que te proclamas baluarte da democracia procedes como seu inimigo, não sei se pior ou melhor que o abstencionista, mas igualmente como ele dando azo a desastrosas consequências. Com o teu voto útil, útil para quem? fazes um péssimo serviço à democracia, na qual garantes continuar a acreditar e não fora eu saber-te honesto, só poderia duvidar, porque o voto útil na actual conjuntura, em que não são os opostos que se digladiam, mas os semelhantes que se cobiçam, perdoa-me que te diga, é de total irresponsabilidade, porquanto introduz no xadrez das vontades uma mentira política. A única coisa que com isso provocas, e como tu, todos os outros como tu, é a perpetuação em equívoco perpétuo, passe a redundância, do genuíno querer do povo. Ora, se tu próprio dizes que já não acreditas em nenhum partido, contrarias naquilo que fazes aquilo que anuncias, sob a desculpa esfarrapada, perdoa-me outra vez a acidez adjectiva, do mal menor, assim preceituando que sempre sobrevivamos nesse mal menor. E se quisermos ir mais longe, apelando à filosofia das coisas, arte pura descomprometida, a tua conduta ainda se torna mais grave pela subversão dos princípios da liberdade que estão na génese e subjacentes à própria ideia de democracia, pois serves-te dela para mentir e não para gritares a tua vontade, supostamente íntegra de verdade. No fundo usas a democracia não sendo democrata, usas a forma renegando o conteúdo, corrompendo-lhe o espírito. A democracia assim não é, não interessa, deixou de ser democracia para passar a ser mais um jogo de mentiras. Vale mais, mil vezes, que venha o mal maior, qual mal? qual maior? para a depuração definitiva, a catarse purificadora. Preferes a mentira comprometida, como se não fossem todas, à verdade regeneradora. Tu, e todos como tu, que defendem o voto útil, são uns empecilhos à mudança, permanecem na noite entravando a aurora, passam a vida a esconder e a esconder-se da realidade. Têm medo do primeiro amanhã de esperança. Desculpa o meu tom, mas a ideia abomina-me e insurjo-me contra o engano que ela em ti tece. Resumindo, tal como fiz com o Segismundo, e de seguida termino, fica provado que o voto útil é uma mentira pessoal e política, que não aclara mas confunde, que não deixa a verdade da vontade transparecer mas soterra-a, que não é leal, nem para ti, nem para os outros, nem para o regime, porque a todos engana. É para isto que serve a democracia?

E o Inácio convenceu-se.

Faltava agora o Zé fazer a apologética do voto em branco, tal como havia prometido.

Eram uma vez três homens, começou ele a desembrulhar uma metáfora, o primeiro chamava-se Segismundo e um dia ao avistar um edifício que caía de podre, deu a volta e passou ao largo, mais não fez; o segundo chamava-se Inácio e ao passar pelo mesmo sítio deu com o edifício podre e, não obstante, resolveu entrar. Mirou, cheirou, apalpou, e não se sabe que mais, dizendo por fim para si, «Isto de facto está a cair de podre e não tem ponta por onde se pegue, mas deixa-me cá pôr umas cordas por aqui e umas espetas por ali, mais umas travessas por acolá, e ainda é capaz de se aguentar uns tempitos mais». Assim fez e brioso da obra feita saiu para a rua e contemplou, mas o edifício detinha-se por fora na podridão, sem mudança que se enxergasse; o terceiro chamava-se Zé, também por lá andou, também viu e a entrar se aventurou, mas dando-se conta que as paredes já se deitavam sem encosto que lhes valesse, o tecto já desfalecia sem amparo que o sustentasse e o chão já se afundava sem escora que o agarrasse, concluiu que cordas, espetas ou travessas não eram cura mas mais esterqueira, em nada compunham mas tudo precipitavam e achou por bem, antes que o edifício ruísse em grande estouro e maior tragédia, apelar ao capataz para de obras urgentes tratar.

Ora, como bem se entende, o edifício podre é o regime, o Segismundo, o que se abstém, o Inácio, o que vota útil, o Zé o que vota em branco, o grande estouro e maior tragédia são a revolução e o capataz, o Presidente da República.

A abstenção é a inconsequência, qualquer que lhe seja o móbil, negligência ou repúdio, é anti-democrática, fica-se por fora do sistema, ignora-o de longe. Está podre? Deixa-o estar! O voto útil é a incongruência, sem liberdade e sem vontade, é anti-democrática, faz-se cúmplice da corrupção do sistema, deita-lhe cordas, espetas e travessas, apenas para lhe alongar a agonia.

Onde está neles a responsabilidade cívica? Onde está neles o respeito pelo concidadão e pela instituição democrática? Seguramente que em nenhum está, nem na abstenção, nem no voto útil, mas exclusivamente no voto em branco, e isto em três momentos e tantas razões que nele coincidem, pois quando voto em branco digo três coisas sem equívoco: Primeiro, que aceito o processo eleitoral e cumpro com as regras de jogo democrático, mesmo que repudie o regime, segundo, que recuso os partidos que se me propõem, e terceiro não deixo, apesar de tudo, de praticar um acto livre de vontade, sou verdadeiro no meu querer, sem mazela de hipocrisia, com a vantagem acrescida sobre a abstenção de o meu voto em branco contar para as contas, ao contrário daquela, e assim diminuir a probabilidade da falácia de uma hipotética maioria absoluta.

E o Zé disse e os outros convenceram-se.

Passaram-se umas semanas, vieram as eleições. O Segismundo absteve-se, não porque quisesse, mas porque logo por azar lhe calhou nesse dia uma comezaina fora de portas.

O Inácio votou útil, não porque quisesse, mas porque tinha que ser…

O Zé, recebido o papelucho, sem se arredar da mesa eleitoral para o vestíbulo improvisado no canto da sala de aulas da escola, e sem puxar de caneta para riscar qualquer quadrado, dobrou-o duas vezes e botou-o na ranhura. Tinha votado em branco.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

21.O que era o partido Reformista

Eça de Queiroz

Nota:
Qualquer semelhança com o partido no governo no ano de 2008 não é mera coincidência mas pura correspondência.

"Ninguém se aproximava dele, no meio da imensa impressão que causava nos moços de fretes. Por fim, pouco a pouco, alguns jornalistas mais curiosos foram-se chegando, começaram a tocar-lhe com o dedo, a ver se era de pau. Era de carne, verdadeiro. Percebeu-se mesmo que falava. Então os mais audaciosos fizeram-lhe perguntas.

— Senhor - disseram - espalhou-se por aí que vindes restaurar o País. Ora deveis saber que um partido que traz uma missão de reconstituição deve ter um sistema, um princípio que domine toda a vida social, uma ideia sobre moral, sobre educação, sobre trabalho, etc. Assim, por exemplo, a questão religiosa é complicada. Qual é o vosso princípio nesta questão?

— Economias! - disse com voz potente o partido reformista.

Espanto geral.

— Bem! e em moral?

— Economias! - bradou.

— Viva! e em educação?

— Economias! - roncou.

— Safa! e nas questões de trabalho?

— Economias! - mugiu.

— Apre! e em questões de jurisprudência?

— Economias! - rugiu.

— Santo Deus! e em questões de literatura, de arte?

— Economias! - uivou.

Havia em torno um terror. Aquilo não dizia mais nada. Fizeram-se novas experiências. Perguntaram-lhe:

— Que horas são?

— Economias! - rouquejou.

Todo o mundo tinha os cabelos em pé. Fez-se uma nova tentativa, mais doce.

— De quem gosta mais, do papá, ou da mamã?

— Economias! - bravejou.

Um suor frio humedecia as camisas. Interrogaram-no então sobre a tabuada, sobre a questão do Oriente...

— Economias! - gania.

Foi necessário reconhecer, com mágoa, que o partido reformista não tinha ideias.

Possuía apenas uma palavra, aquela palavra que repetia sempre, a todo o propósito, sem a compreender. O partido reformista é o papagaio do Constitucionalismo.

O partido reformista apareceu um dia, de repente, sem se saber como, sem se saber por que. Era um estafermo austero, pesado, de voz possante. Ninguém sabia bem o que aquilo queria. Alguns diziam que era o sebastianismo sob o seu aspecto constitucional; outros que era uma seita religiosa para a criação do bicho-da-seda.

Corriam as mais desvairadas opiniões. Apresentava-se tão grave, tão triste, tão intransigente, que no Chiado afirmava-se ser um personagem da história romana - empalhado!"

sábado, 19 de abril de 2008

20.Memórias do fim

Estavas na padaria a tomar o pequeno-almoço, quando uma mãe sentou o filho de dois anos numa prateleira alta retirando-se de seguida para uma qualquer conversa lá fora; tu chegaste-te para o miúdo com medo que ele por um simples trejeito caísse de costas no chão de pedra e uma desgraça fosse, e quando ela voltou saíste de guarda e disseste-lhe para ter cuidado ao que respondeu «fui só ali e estava a ver» e era tudo mentira e já tinha dado para várias quedas e ambulâncias. E contaste-me que sentiste tristeza, lembras-te?

Recebias no teu escritório um pequeno empresário inquieto, estupefacto e revoltado, que cria processar o governo, o estado, ou quem fosse, por ter excluído do QREN todas as actividades ligadas à saúde, à acção social e aos idosos, enquanto por exemplo, o comércio de vídeos pornográficos, de bebidas alcoólicas, de sucata, etc., essas sim, já tinham cabimento… Explicavas, e ele boquiaberto, que o QREN - Quadro de Referência Estratégica Nacional – para os seis anos de 2007 a 2013, e de muitos milhões comunitários reflectia a alma do governo, e como tal tinha que ser coerente com o seu carácter e de acordo com este, saúde, acção social e idosos não mereciam atenção, não faziam parte da coluna dos activos. Ora porquê? Está bem de se ver, continuavas, ou porque a saúde não interessava, leia-se não lucrava, ou porque a acção social não aproveitava, leia-se regalava, ou porque os idosos não importavam, leia-se estorvo a mais. Aclaravas, e ele pasmado, que aquilo que já se sabia, tarde ou cedo se haveria de revelar, vir à tona, debalde a camuflagem demagógica, e este caso era um entre muitos, escandaloso mas não sozinho, revelador das reais intenções de quem governa, desmascarando a sua indiferença sobre quem é governado. «O meu amigo não sabia que o estado é administrado como se de uma má empresa se tratasse, exclusivamente para dar lucro e lucro custe o que custar e salve-se quem puder, e que o povo são os empregados espoliados dessa gestão selvagem? Não é um governo da nação, é um governo do negócio!» E ele ficava a olhar para ti em desassossego, aparvalhado, sem apaziguamento mas pior do que entrara, a congeminar sabe-se lá o quê de moscambilha, enquanto tu te gastavas a explicar a obviedade por muitos ainda desapercebida. Eram tempos de muita mentira dum lado, só possível pela muita ignorância do outro. E contaste-me que sentiste pena dele e de todos os outros como ele, lembras-te?

Olhavas ausente a rua da cadeira do café e vias a tromba do aspirador enroscar-se sem pudor na máquina caça níqueis. O primeiro esbirro viera sozinho, subira a rua com um carrinho de rodas que julgaste fosse de transportar caixotes, mas que afinal se tornara num glutão de moedas. Mais à frente já próximo do saque, juntara-se-lhe em compadrio um segundo capanga do xerife de Nottinghan, com a chave a correr do cinto e a enfiar no parquímetro por de baixo e as moedas a jorrarem pela gravidade e pela aspiração enchendo o saco do imposto vigésimo ou trigésimo, já lhes tinhas perdido a conta. Pensaste nos pobres homens que por terem farda julgavam praticar o bem. Pensaste no pobre povo que sob tão grande agravo brando se segurava, e pensaste no xerife, homem mau sem réstia de arrependimento. Sabias que tu e todos naquela rua a tinham pago, e que agora, os mesmos, a voltavam a pagar para só assim poder nela viver ou trabalhar. E contaste-me que sentiste revolta, lembras-te?

Compravas um jornal e dizias-me que o não fazias há décadas, o que achei um exagero, e acrescentavas que gostavas de andar informado e por isso tinhas o hábito de não te deixares informar. Fiquei a pensar o que é que querias dizer com isso e depois concluí, acho que bem, que a proximidade tira a lucidez, como quem fixa uma árvore e perde a floresta. Era isso que querias significar ironicamente denunciando a propaganda e a desinformação?

Dizias a rir que te tinham perguntado ser eras de esquerda, de direita ou do centro e que respondias que eras do peão… Não atingi na altura e continuo sem chegar, a não ser que quisesses, com o sem sentido da resposta, retribuir o sem sentido da pergunta. Seria?

Comentavas que receberas pela calada da noite um e-mail do fisco que te causara repugnância enquanto para outros seria uma virtude do simplex. "A DGCI disponibiliza no seu site da Internet (…) os anúncios dos bens penhorados que estão em venda, contendo a sua descrição, localização e o valor base para venda. Neste momento estão em venda mais de 1.500 bens, nomeadamente imóveis e veículos automóveis. Na última semana foram introduzidas no site importantes inovações que gostaria de lhe dar a conhecer (…)" E depois seguia-se a lenga lenga do negócio: já penhorei, agora tenho aqui para vender, quanto é que dás para comprar? E repugnância, dizias, feita de três nojos, primeiro, o da náusea da penhora, sabe-se lá de quem e em que condições, segundo, o do enjoo da devassa pública e terceiro, o asco pela eventual compra de quem se aproveita da desgraça alheia. E contaste-me que sentiste repulsa. Por essa altura achei-te dramático. Inclusive acrescentaste que ao receber o e-mail veio-te à memória uma cena daqueles filmes americanos passados nos princípios do século XIX onde num palanque se vendiam escravos. Por esse tempo não percebi a comparação, de resto devo confessar-te que a achei demasiado rebuscada. Só hoje compreendo a metáfora e infelizmente sou forçado a dar-te razão. Éramos escravos e ainda não tínhamos dado por isso.

Avisavas que nessa época já não batiam à porta de fato preto barato e gravata fininha, que para dar cabo de uma pessoa bastava difamá-la pelos jornais ou televisões, que essa era a ilusão da liberdade, ou que inventavam processos fiscais ou outros, que essa era a panaceia da justiça.

Andavas encantado com o Virgílio Ferreira e não te cansavas de o citar. Trazias um livro dele e lias-me passagens. Era a tua forma de suspender o dia. “Abre os olhos totalmente e vê. Aguenta o impacto da vida e vence-a. Recupera-a desde as raízes, obscura, lenta, verdadeira. E se ela é a tua invenção, esquece tudo, inventa-a desde o início, cospe na que te deram – de que é que serve? Ou estarás tu envenenado para sempre? Reconstruir tudo desde as origens, desde a primeira palavra. Tudo o quê? É necessário que tudo seja novo, inteiramente novo e imprevisível, que o passado morra em ti profundamente”.E dizias que estas palavras eram para cada homem mas sobretudo para o país, que Portugal era um Homem doente que precisava de ser reinventado. E por esses dias, quando nos despedíamos, lá me atiravas a frase de exortação do momento, evocando de novo Vergílio Ferreira: “… sê em ti esse princípio eterno que te vive”.

Ficaste triste com estas recordações? É natural, o tema era triste, se bem que poderias sempre ter voltado a cara, fazer de conta que não se passava nada, esconder-te fechado no teu universo comezinho, sublimares em distracções ou alienares em ilusões, como muitos o fizeram à espera que alguém lutasse por eles, então, já não era só o tema que seria de tristeza, tu próprio estarias abatido sem capacidade para reagir, mas não, deprimido é o sem causa, e tu com lucidez e coragem enfrentaste a realidade sem desculpas e declaraste: «que os outros vendo não queiram ver, sabendo não queiram fazer, não é justificação para a minha indiferença; posso pouco mas darei o que puder!» Tinhas tristeza, mas maior era a esperança, se não a tivesses não terias lutado contra o que pareciam ser moinhos de vento. E agora aqui sentados neste Portugal reinventado, sobre um governo íntegro e competente, fiel aos interesses do povo, és feliz, uma nova esperança te arde, não vinda do acaso mas reconstruída com o labor de cada dia dos que acreditaram, e estas memórias do fim do regime são uma lição antes de o ser.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

19.Os Vampiros do Século XXI - Carlos Neves

“...batendo as asas pela noite calada
vêm em bandos, com pés de veludo...”

A Caixa Geral de Depósitos (CGD) está a enviar aos seus clientes mais modestos uma circular que deveria fazer corar de vergonha os administradores - principescamente pagos – daquela instituição bancária.

A carta da CGD começa, como mandam as boas regras de marketing, por reafirmar o empenho do Banco em oferecer aos seus clientes as melhores condições de preço/qualidade em toda a gama de prestação de serviços, incluindo no que respeita a despesas de manutenção nas contas à ordem.As palavras de circunstância não chegam sequer a suscitar qualquer tipo de ilusões, dado que após novo parágrafo sobre racionalização e eficiência da gestão de contas, o estimado/a cliente é confrontado com a informação de que, para continuar a usufruir da isenção da comissão de despesas de manutenção, terá de ter em cada trimestre um saldo médio superior a EUR1000, ter crédito de vencimento ou ter aplicações financeiras associadas à respectiva conta. Ora sucede que muitas contas da CGD, designadamente de pensionistas e reformados, são abertas por imposição legal. É o caso de um reformado por invalidez e quase septuagenário, que sobrevive com uma pensão de EUR243,45 - que para ter direito ao piedoso subsídio diário de EUR 7,57 (sete euros e cinquenta e sete cêntimos!) foi forçado a abrir conta na CGD por determinação expressa da Segurança Social para receber a reforma.

Como se compreende, casos como este - e muitos são os portugueses que vivem abaixo ou no limiar da pobreza - não podem, de todo, preencher os requisitos impostos pela CGD e tão pouco dar-se ao luxo de pagar despesas de manutenção de uma conta que foram constrangidos a abrir para acolher a sua miséria. O mais escandaloso é que seja justamente uma instituição bancária que ano após ano apresenta lucros fabulosos e que aposenta os seus administradores, mesmo quando efémeros, com «obscenas» pensões (para citar Bagão Félix), a vir exigir a quem mal consegue sobreviver que contribua para engordar os seus lautos proventos. É sem dúvida uma situação ridícula e vergonhosa, mas as palavras sabem a pouco quando se trata de denunciar tamanha indignidade. Esta é a face brutal do capitalismo selvagem que nos servem sob a capa da democracia, em que até a esmola paga taxa. Sem respeito pela dignidade humana e sem qualquer resquício de decência, com o único objectivo de acumular mais e mais lucros, eis os administradores de sucesso.

Cidadania é demonstrar esta pouca vergonha que nos atira para a miserabilidade social.

sábado, 12 de abril de 2008

18.Em Portugal, há dois países

Há dois países,
um que se mostra, outro que se esconde,
um que nasce da vaidade, outro que morre da vergonha,
um que vive para si, outro que não consegue viver consigo,
um que tem dinheiro, seu ou emprestado, outro a quem falta quase tudo

Há dois países,
um rico, outro pobre, pelo meio o remediado.
O rico não quer saber do pobre, ignora-o, despreza-o,
O pobre, é pobre.

E os pobres desse país são muitos. Não são os que se vêm a pedir, que também o podem ser, não são os que vivem em barracas, que também o podem ser, são sobretudo os que não se vêm, envergonhados e escondidos, válidos mas sem trabalho, com vontade mas sem oportunidade, e esses são muitos, são centenas de milhar, mas não são pessoas, são estatísticas.

Porque é que um homem, uma mulher, capaz, na força da vida, não tem trabalho? Porque é que esse país, o seu governo, não inventa, não cria, não dá trabalho a essas centenas de milhar, não estatísticas, mas pessoas? Porque é que esse país, esse governo, persiste em ser assistencialista, dando o peixe, e não estruturante, dando a cana e ensinando a pescar? Que ideologia, que cultura, que civilização é esta que consegue viver ignorando e desprezando os seus próprios irmãos?

Eu conheço os dois países e sei do que falo. Conheço os ricos e os pobres, conheço a sua maneira de pensar e a sua maneira de sentir, o que idealizam na cabeça e carregam no coração. Sei dos seus interesses e dos seus hábitos, dos seus valores e dos seus sonhos, sei para onde se dirigem.

Sei que os ricos não fazem a mais pequena ideia do que é ser pobre; sei que os ricos julgam que a riqueza vem da virtude, chamada mérito, e a pobreza do defeito, chamado preguiça. Mas estão redondamente enganados!

Há dois países, mas
só num há liberdade, no outro é a escravidão,
só num há justiça, no outro é a sujeição
só num há democracia, no outro é a ditadura.

A democracia é dos ricos, não é dos pobres. Quem vota são os ricos e remediados, não são os pobres. E para quê? Por isso o governo do país rico não governa para o país pobre e falar de justiça social é deitar palavras ao vento.

Quando assim falo, os ricos dizem que exagero, chamam-me dramático, e eu compreendo-os, não sabem do que falo, não conhecem o outro país. Não me esqueço que também fui assim, sem tempo que não fosse para o meu trabalho, sem alcance que não fosse para o meu mundo, e ainda hoje, vezes há, que no meio da correria e da tensão do dia a dia tenho que parar e lembrar-me de que há outro país e outro povo.

“Se uma sociedade livre não pode ajudar os muitos que são pobres,
não pode salvar os poucos que são ricos.”

John F. Kennedy
35º Presidente dos E.U.A. (1917 – 1963)

quarta-feira, 9 de abril de 2008

17.A esperança passou por aqui em 17 de Março J.J.Silva Garcia

“Primeiro foi necessário civilizar o homem
em relação ao próprio homem.
Agora é necessário civilizar o homem
em relação a natureza e aos animais."

Victor Hugo
Escritor e poeta francês (1802-1885)

1.Por convicção humanista, recuso a visão antropocêntrica da vida que, não raramente, degenera no desrespeito pela Natureza e pelos outros seres vivos. O uso de animais em espectáculos e eventos públicos de carácter meramente lúdico, para gáudio de multidões eufóricas, resulta num acto gratuito e abusivo que em nada contribui para a dignificação da pessoa. A violência exercida sobre os animais é uma atitude retrógrada que, ao fingir ignorar-lhes a possibilidade da dor, não se coíbe de a provocar por puro divertimento.

2.Na tarde do dia 17 de Março, dando cumprimento a uma convicção pessoal, apresentei e defendi em reunião do Executivo Municipal a “Moção a Favor da Declaração Municipal Oficial e Simbólica da Póvoa de Varzim como Cidade Anti-Touradas'. Em dois dias recebi inúmeras manifestações de apoio de diversas localidades de Portugal e do Estrangeiro, de muitas organizações de defesa dos animais e de um número incontável de pessoas.

3.A Póvoa de Varzim poderia ter sido pioneira em Portugal de uma atitude ética de defesa dos animais! Todavia, numa atitude incompreensível, a maioria social-democrata no poder decidiu manter a Póvoa como palco de violência gratuita sobre animais utilizados abusivamente para mero divertimento de insensíveis espectadores. No mínimo, se houvesse honestidade intelectual, a maioria PSD deveria ter feito a sua análise, considerando as respectivas vantagens e inconvenientes. Mas, em vez disso, a Moção foi rejeitada sem que tenham sido apresentados quaisquer argumentos substantivos para tal.

4.Esta postura tacanha diz bem do estado de civilização em que se encontram os seus agentes, Indiferentes à força dos argumentos, e fechados sobre os seus preconceitos, estes políticos recusam compreender o Presente e atrasam o Futuro.

5.Mas, Caros Amigos, é tudo uma questão de tempo! Mais tarde ou mais cedo, a luta pela defesa dos Direitos dos Animais, consagrada pela ONU, e protagonizada por inúmeras associações e incontáveis pessoas, há-de conseguir resultados positivos e definitivos, designadamente acabando com as Touradas e eventos similares. É tempo de um novo desiderato! A História, cada vez mais liberta de uma visão antropocêntrica, corre a favor da ideia de que partilhamos a terra com outros seres vivos que urge respeitar. Acreditando que se juntarão boas vontades para uma caminhada de vanguarda, esta iniciativa serviu, pelo menos, para estimular à reflexão e à adopção de uma nova atitude assente nos valores da ecologia profunda. Mais cedo ou mais tarde a Póvoa de Varzim será uma cidade que respeita os animais. Desse modo cumprir-se-á o Homem.
Agradecendo a todos quantos se juntaram a esta iniciativa, engrandecendo-a ao emprestar-lhe a sua nobreza de alma, fico disponível para outras iniciativas em defesa dos animais!
J.J. Silva Garcia

sábado, 5 de abril de 2008

16.Sobre a Educação

A educação vai "nua" - António Andrade

De facto já não é o rei mas é a educação que vai nua.

A fazer fé no que dizia o meu pai, já vai nua desde que "passou da Família para o Ministério". Dizia ele que a Educação era dada pela Família!

Como o meu pai era muito conservador eu por vezes não o ouvia-entendia. Mas como o entendo agora! (ele dizia "Instrução" em vez de "Formação";quanto á Educação continua a ser os comportamentos, os valores...)

Como se sabe, a antiga designação era de" Ministério da Instrução" mas o Estado-Novo mudou-o para "Ministério da Educação".E ele criticou severamente esta mudança e com razão. Mudança esta que de ingénua nada tinha. Aliás já a 1ª República apostou na Escola para "reformar" a sociedade, para construir o cidadão republicano de amanhã, o Estado Novo também e esta espécie de Democracia também; quer formatar o democrata de amanhã. E a família á parte. É sempre a Escola, o aluno, o professor, que pagam a factura mais pesada. (Não é a Saúde, nem a Defesa, nem a Economia, nem a Agricultura...)

A ideologia política alastra e infecta, em primeiro lugar, a Escola. E a ideologia política foi e é centralizadora. Em Lisboa, no Terreiro-do-Paço. Mas este centralismo burocrático obscurantista infecta a Escola e tudo mais! E nisto o Eça continua actual, infelizmente.

Mas pior um pouco se, como dizia Agostinho da Silva,"a Formação foi substituída pela Informação".(das máquinas partidárias).

Neste momento, em que tudo parece tão mal, o meu optimismo parece partilhar a teoria do "quanto pior, melhor",ou, como dizia o Pulido,"as meninas não reformam o bordel", portanto temos que bater no fundo para voltar ao de cima...É pesado, custa, mas não vejo outra saída.”

Torcer o pepino desde pequenino - Alfredo Magalhães Ramalho

Este é apenas um caso, sem grande gravidade, que ganhou importância apenas pelo facto de ter ficado documentado, mas grave é a situação geral que está por trás, de facto uma vergonha! Para todos meditarmos nos monstros que a nossa sociedade (ou seja, nós todos …) está a criar …

Há tempos eu tive que dar (e com todo o gosto dei …) uma descompostura a uma menina que, apesar das minhas repetidas advertências, aqui na Biblioteca onde trabalho, insistia em conversar com o namorado, e passados minutos a Ninfa estava no meu gabinete, acompanhada pelo seu Romeu, pedindo satisfações porque eu “lhe tinha falado de uma maneira que ela nem ao seu próprio Pai admite” !!! Fiz-lhe rapidamente ver que não sei nem me interessa saber o que o paizinho admite ou deixa de admitir; mas que, se ele não tem capacidade para educar a filha, eu tenho-a, e gabo-me de a pôr em prática, se e sempre que for oportuno.

Gostei de ver a facilidade e rapidez com que a grimpa dos piquenos baixou! Se calhar vinham à espera que eu contritamente pedisse desculpa pela forma imprópria como no exercício das minhas funções (e das responsabilidades que estas implicam) os tinha admoestado - tipo declarações no Parlamento por causa de coisas que se passaram há 500 anos, na lógica que então era a vigente; mas calaram o biquinho, ouviram o que eu tinha para lhes dizer e saíram do meu gabinete na maior das pazes …

Os estudantes, como toda a gente, não são à partida melhores nem piores do que qualquer de nós, respeitáveis cidadãos, mas todas as crianças têm uma tendência natural para irem até onde os deixarem ir, e se ninguém se der ao trabalho de “torcer o pepino desde pequenino”, como “dantes” se dizia, estaremos a fomentar que essa atitude imatura deformadamente se prolongue para o resto da vida, para além da fase de crescimento e educação em que é normal, saudável e natural …

Parece-me que o problema não é da “escola”, é dos valores e atitudes das pessoas que formam a sociedade em que a dita escola surge e funciona. Se os pais em casa se demitem de formar os filhos, é mau; se esperam que seja a escola a dar-lhes a formação que deveria em primeira mão ser dada pela família, é triste – se ainda por cima quando a escola tenta suprir essa falha a desautorizam, então … estamos mesmo perdidos!!!

Nota: nem esta aluna aqui filmada, nem a minha Ninfa de estimação e seu Romeu, serão, felizmente, exemplificativos do que é a maioria dos nossos estudantes; mas é bom que casos excepcionais como estes sejam divulgados e mostrados como negativos, e não passivamente admitidos como façanhas, que os colegas facilmente poderão tomar como gloriosos exemplos a seguir …

A educação não dada pelas famílias - Halima Naimova

Penso que todo este descalabro se deve à fragmentação social, cultural e económica da sociedade europeia/americana e à sua excessiva laicização e liberalismo broncos, não compreendido pela maioria da populaça para fazer o uso dele.

Nos últimos 25 anos houve acesso (aqui) generalizado à cultura material apenas; existem lacunas graves na educação não dada pelas famílias, estranhamente, numa sociedade na sua esmagadora maioria considerada católica não lhe foi ensinada a leitura da Bíblia ou ouvir a leitura da mesma.

Definitivamente é uma sociedade de bebidas gasosas que tornou os jovens portugueses, vindos (a maioria) das famílias em todos os sentidos pobres, nos gordos feios com um telemóvel na mão, e das famílias lavadas nos consumidores de bebidas espirituosas e utilizadores assíduos da indústria nocturna.

A fragmentação da sociedade europeia e americana leva à fragmentação da família, instituição primordial na construção mais ou menos equilibrada desta mesma sociedade: a ausência da família constitui o gravíssimo problema que se vive hoje.

Conceito e utilidade da educação - Luís Corrêa d´Almeida

Se eu perguntar a uma boa mão cheia de gente o que é a educação, ficarei sem resposta por duas simples razões: ignorância do conceito e falta de oportunidade.

Começando pela segunda, a falta de oportunidade, que leva à primeira, constata-se que a educação, no quadro da cultura dominante da nossa sociedade, é supérflua, não tem mais valia, isto é, não acrescenta valor e como tal não constitui factor de produção, ao contrário da formação ou instrução profissionais, imprescindíveis para o sucesso e felicidade.

Há pois, de raiz, um problema de utilidade. A História dispensou a necessidade da educação, a História actual já não precisa da educação. É a evolução da Humanidade. O avanço da ciência e da tecnologia libertou o homem dessa canga.

E porque a educação já não é mais precisa, vem a segunda razão, a da ignorância do conceito. Para que é que é preciso saber o que significa a educação se ela já não é mais necessária? Os educadores ficam portanto dispensados dessa árdua tarefa ainda por cima completamente inconsequente.

A educação vai mal porque já não é precisa, inclusive desdenha-se da sua utilidade, mais, a educação é sinónimo de regressão, de alguma coisa que ficou parada no tempo, que não soube evoluir, que não soube ajustar-se ao progresso e à modernidade.

Assim se pinta bem, com caras tintas, por fora, a edificação virtual do homem.

Esta leitura imediatista e curta da História e a extrapolação precipitada da evolução do homem, estatelam-se ao comprido no chão do real.

O real ensina-nos que impérios e civilizações não caíram por atraso da ciência e tecnologia relativamente aos seus concorrentes, não caíram por embate com os seus opositores, caíram podres por dentro.

O homem avança por fora o que recua por dentro. Avança em formação, recua em educação.

Mas sosseguem, a História, a força das coisas, se encarregará de repor equilíbrios, não exclusivamente de forma mecanicista ou dialéctica, mas também por génio do próprio homem.