sábado, 9 de fevereiro de 2008

05.O governo é servo do povo!

Faço uma pausa para aclarar um conceito: o governo é servo do povo! É preciso perceber donde parto, qual é a minha posição, para compreender porque falo, do que falo e como falo. Assim as Crónicas de Repúdio ganham sentido. Dizia… num regime democrático, repito e reforço, o governo é servo do povo! A única utilidade do governo é servir o povo, a única utilidade das instituições públicas é servirem os cidadãos. Não há outra! E quem não estiver de acordo com este meu conceito e posição, que acabo de aclarar e precisar, dificilmente poderá partilhar dos meus repúdios.

Posto isto e retornando ao meu desencanto… podem os políticos fazer todos os malabarismos que quiserem, dar todas as piruetas de retórica e cambalhotas de semântica que lhes apetecer, rebuscar os sinónimos de que se lembrarem, que o conceito e a verdade, simples e clara não muda, é sempre a mesma: o governo é servo do povo! (É de elementar pedagogia repetir esta frase sem medo de exaustão, por tão esquecida). O governo é um meio, nunca um fim. Ora em Portugal, que dos outros ocidentais não falo, perdeu-se esta noção básica e princípio rudimentar, mas decisivo, da democracia, mais, inverteu-se de forma sinistra a justa posição das partes. Em Portugal o povo é servo do governo, o governo é senhor do povo.

Para remediar, se ainda a tempo, aconselho com gravidade todos os governantes a colocarem em cima das suas secretárias de trabalho uma moldura, para os mais atentos, uma estátua, para os mais distraídos, enfim qualquer artefacto, que seja bem representativo do povo que servem, de forma a sempre se lembrarem de quem é o seu Rei e das razões porque se sentam nessa secretária. Depois, que se ponham de joelhos para servir o povo, se essa posição melhor os favorecer no exercício do serviço que juraram honrar, lembrando-se sem cessar de que o vosso ofício é de verdadeiro sacerdócio, e para tal, mais aconselho com igual peso, a escreverem em letras douradas e forçosamente à frente dos vossos olhos de modo a que só os fechando o poderão ignorar: sou servo do povo e estou aqui unicamente para o servir com toda a minha honestidade e competência, nunca sobrepondo os meus interesses pessoais aos do senhor que sirvo, sabendo que nada é meu, mas tudo dele. Depois, ainda, para que nunca vos esqueceis da vossa missão, procedam escrupulosa e disciplinadamente ao seguinte ritual diário: ao entrar e ao sair do gabinete, que o povo vos cedeu temporariamente, parem um momento para ler a frase das letras douradas, sem pressas, serena e convictamente, com se fosse um mantra, para que ela vos entre bem dentro, se enraíze na vossa mente e sobretudo molde o vosso coração. Tornem a lembrar-se, lembrando-se continuamente, de que é o povo que vos alimenta, não só o corpo mas também a alma, e por isso sejam frugais quanto ao primeiro e generosos quanto à segunda, quando vos tentarem com mordomias resistam á tentação e se necessário for protejam-se no hábito do frade, que o hábito faz o monge, porque é isso que no espírito deveriam abraçar, os votos de obediência – ao povo – de castidade – para com o povo – de pobreza – porque nada é vosso, mas tudo é do povo.

Se o estado de espírito dos governantes fosse este o regime tornar-se-ia bom, o governo tornar-se-ia bom e podem ter a certeza de que o povo se tornaria o melhor do mundo. Afinal o grande problema está no espírito com que o funcionário adere à causa e serve a governação, que não pode haver outro senão o do sacrifício serviço ou serviço sacrifício. Com este espírito quase todos os problemas da má governação ficariam resolvidos, porque a honestidade decorre naturalmente da influência que sobre ela aquele bom espírito exerce.

Cada governante e cada funcionário público, isto é, cada empregado da coisa pública, que se faça humilde e solícito para cada cidadão, afinal ele vem da parte do seu Rei, o povo, que cada um sirva, mas sirva bem, não é preciso nem convém que faça mais nada, senão não presta para governar, mantendo sempre e religiosamente na cabeça um único pensamento: servir sempre, mais e melhor. Livrem-se porém de continuar a fazer o que têm vindo a fazer, de se julgarem senhores e fazerem de nós servos, de fazer aquilo que nós não queremos não fazendo aquilo que nós queremos, dando cabo do governo e do regime e sobretudo atraiçoando a confiança que em vós depositámos.

Se o remediar ainda for a tempo, que o tempo se esgota, reponham a legalidade democrática da vossa governação, ou dão definitivamente cabo para além do governo do regime e do país, senão tenham a dignidade de se demitirem e entregar o governo ao povo.