quarta-feira, 16 de julho de 2008

43.Duas faces da mesma moeda - 2.Alta corrupção

E quanto mais se afunda a democracia mais emerge a corrupção. Há assim uma equação em que a corrupção é inversamente proporcional à democracia – quanto mais corrupção, menos democracia – até que chega o momento em que o sistema, por razões de coerência, honra lhe seja feita, muda de nome, para um título mais a condizer com a sua personalidade, aparência e índole: de demo cracia para corrupto cracia.

Já lá vão mais de três décadas de regime e a corrupção alastra e aumenta, é um modo dandy de viver em sociedade, como diria Eça de Queiroz, ou talvez, é o modo dandy de se ser político e, ou, capitão de indústria, e não seria correcto dizer-se que o regime é completamente incapaz de lhe por cobro, mas antes que o regime não tem qualquer interesse em pôr-lhe cobro, já que nela, corrupção, joga a sua sobrevivência.

Há o medo de que a corrupção seja uma ameaça à democracia. Vêm atrasados. De facto a corrupção foi em tempos idos uma ameaça à democracia, depois foi deixada intencionalmente fora de controlo e durante décadas foi contaminando como doença difusa consumindo lenta mas inexoravelmente o país e a sociedade portuguesa, hoje é uma realidades institucional que arrasa, domina e substitui-se à democracia. Já o referimos: corruptocracia, só que há muitos de compreensão lenta… Há quem diga que é invisível. Só para os de olhar lento. Descobre-se em cada noticiário.

Quanto a números, como se houvesse números, a pseudo estatística é assim: primeiro, a maioria dos casos não são detectados, segundo, da maioria dos casos detectados, cerca de três quartos, apesar da instrução dos correspondentes processos-crime de corrupção, não chega sequer a tribunal, não passa da fase de inquérito, inquérito e arquivo, é o próprio ministério da justiça que o reconhece, terceiro, os detectados duplicaram na última década, quarto, dos chegados a tribunal uma quantidade apreciável morrem no meio das montanhas de papel, à espera da produção da melhor prova, ou arrastando-se de recursos em recurso até à prescrição, quinto, a esmagadora maioria dos ditos cujos envolve personalidades do mundo político e empresarial.

A Transparency Internacional (ONG – Organização Não Governamental) vem-nos dar a novidade de que em Portugal a corrupção no universo dos políticos e funcionários públicos aumentou. Já sabíamos. Apresenta um índice que denuncia o aproveitamento do serviço público em causa própria, quer dizer, abuso em benefício particular; são subornos a funcionários públicos, incluindo nestes os políticos, pagamentos por fora nas contratações do estado etc.

A OCDE (…) declara no seu relatório referente a 2007: “é insuficiente a luta que Portugal tem travado contra a corrupção”. Outra reprimenda que vem de fora para nossa vergonha.

A GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção) diz: “falta de uma estratégia de combate à corrupção e dos meios necessários, materiais, financeiros e humanos (…) Do número de casos registados, poucos são os que chegam à fase de julgamento (…) Nos últimos anos, numerosos processos foram abertos contra ministros, sindicalistas, autarcas, empresários, etc. Muitos destes casos tiveram que ser arquivados devido a prescrição, pois um dos problemas com os crimes de colarinho branco é o de certos advogados utilizarem o actual sistema, o qual permite contestar durante o desenrolar da instrução, cada acto individual do juiz de instrução, bem como os recursos ao nível do Tribunal Constitucional, que não suspendem o prazo de prescrição”.

Maria José Morgado (Procuradora-geral adjunta e directora do DIAP de Lisboa - Departamento de Investigação e Acção Penal) diz: “(…) o combate à corrupção em Portugal está, e há-de continuar a estar paralisado, por força da própria corrupção de alguns poderes públicos, da incapacidade conjuntural do MP para a detecção e combate do fenómeno e duma inevitável estratégia de combate ao crime que, por razões várias, ignora imprudentemente o problema-corrupção (…) Os processos penais deveriam ser mais cirúrgicos, o Ministério Público deveria ter formação específica no crime económico e os julgamentos deviam ser realizados em tempo razoável (…) Há casos que se arrastaram durante dez anos em recursos sucessivos nos tribunais superiores, fazendo com que o excesso de garantias seja tão mau como a falta delas, pois ambas conduzem à impunidade. (…) Estamos a falar de uma criminalidade muito específica e muito «resistente» às instâncias penais”.

Marinho Pinto (Bastonário da Ordem dos Advogados) diz: “existe em Portugal uma criminalidade muito importante, do mais nocivo para o Estado e para a sociedade, e andam por aí alguns impunemente a exibir os benefícios e os lucros dessa criminalidade, sem haver mecanismos para lhes tocar. Alguns até ocupam cargos relevantes no aparelho do Estado português, ostensivamente”.

Maria José Morgado aprova as declarações do Bastonário: “merecem o respeito das denúncias corajosas, pois as práticas corruptivas ao mais alto nível de Estado corroem a democracia e desacreditam as instituições – capturam as próprias funções do Estado, colocando-as ao serviço de interesses particulares”.

João Cravinho (ex-deputado socialista) diz: “ a maior corrupção é a corrupção de Estado, é a que envolve os maiores valores e implica a submissão dos interesses públicos aos privados (…) A corrupção de Estado só é possível pela conivência de quem tem um alto poder”.

Daniel Kaufmann (director dos Programas Globais do Instituto do Banco Mundial) garante: “a diminuição da corrupção poderia pôr Portugal na senda do desenvolvimento, ao mesmo nível da Finlândia (…) A corrupção acaba por resultar numa desproporção para as famílias com menores rendimentos: pagam mais impostos do que deveriam, e parte dos seus rendimentos são gastos em «subornos» para terem acesso aos serviços públicos. Numa estimativa, as transacções mundiais são «manchadas» pela corrupção em perto de um trilião de dólares”.

Todos dizem. São muitos a dizer. Raramente se encontra tanta concordância sobre um mesmo assunto e assunto tão grave. Não há polémica. A verdade não se discute!

Fui à internet, escrevi a palavra corrupção, seleccionei “Páginas em Portugal” e em 0,30 segundos apareceram-me 759.000 (…)

Tenho que acrescentar mais três frases: “Talvez convenha perceber duas coisas sobre a corrupção. Primeira, onde há poder, há corrupção. E onde há pobreza, há mais corrupção. Destes dois truísmos resulta necessariamente que quanto maior é o poder ou a pobreza, maior é a corrupção”. (Vasco Pulido Valente / Público) - “Muita coisa que pode ser feita contra a corrupção e os seus caminhos não precisa de novas leis, nem de polícias, nem tribunais, precisa de políticos que se incomodem com o que vêem e que actuem politicamente”. (Pacheco Pereira / Sábado) – “A capacidade de combater a corrupção é um aspecto da auto-regeneração da democracia”. (Luís Salgado de Matos / Público).

Será que alguém, que não os próprios, ainda duvida que a corrupção não é um caso de polícia mas um caso de política? Mude-se a política, mudem-se os políticos, mas mude-se o regime, e a corrupção mudará.