sábado, 28 de junho de 2008

38.A quinta qualidade da inconsciência de o ser (3)

Há uma quinta qualidade curiosa que se junta às quatro primeiras na formação do carácter do vilão. É a inconsciência de o ser. O vilão tem esta característica peculiar que é a de não ter consciência de que é vilão. Quando se olha empertigado ao espelho só se vê estrela de telenovela, não vê nem o carácter, nem as qualidades e muito menos as afilhadas, só vê estrela! Espelho mágico, diz-me qual é entre todos os belos o mais belo?

Paradoxo interessante de ser tão vilão e não saber que se é, de ter tantas máculas e não saber que se tem, o que se explica por um fenómeno chamado perda de lucidez e que ocorre quando entra no sistema ou sobe ao poder. Ele até pode não ser um mentiroso compulsivo, ou um corrupto arreigado, ou um incompetente inveterado, ou um cobarde endémico, mas torna-se nisso tudo quando entra no sistema ou sobe ao poder, e quando os outros, os de fora ou de baixo, o chamam de vilão, falho de carácter e farto de pecados, fica muito indignado e ofendido, como se o difamassem injustamente, quando apenas, esses sim, são exemplo de lucidez, pois o facto de o rei ir em pelota não lhes acanha a vista. Então a culpa é do sistema? Não, a culpa é do vilão, legião, que faz o sistema que o faz a si, aconchega o corpo na cama que o há-de aconchegar, num jogo voluntarioso de promiscuidades perpétuo.

Se um dia porém o apanharmos de parte, o subtrairmos às más influências, no recato de um sofá e de uma lareira, onde não haja espelhos, ou de uma mesa recôndita num café discreto e sossegado, onde não hajam mirones, e ele se sinta simples, anónimo, sem ter que provar ao progenitor, mentor, ou estupor, até vai parecer uma pessoa normal, com laivos de bom senso, ideias razoáveis, sentimentos equilibrados, mas depois, logo que se escorra e se enfie, se apadrinhe e se promíscua, esquece-se de tudo completamente, muda de personalidade e volta à vida, ao carácter, às qualidades e às afilhadas do vilão.
Era preciso trazê-lo sempre à trela, nos bons princípios e convivências, afastá-lo das más companhias, que são tentação e perdição, mas convenhamos, que sendo já um homenzinho não só pareceria mal como cada um de nós já tem os seus que cuidar.

A questão é que a inconsciência, pela perda de lucidez, a ninguém ilibe e muito menos ao homem público; a inconsciência é a irresponsabilidade. O homem quer-se responsável, condição básica da sua racionalidade e ao político são exigidas, razão e responsabilidade acrescidas.