quarta-feira, 4 de junho de 2008

31.Dois records dignos do Guiness

Quando Sir Hugh Beaver, progenitor ainda sem o saber do Guiness, discutia qual seria a ave de caça mais veloz da Europa, se a tarambola, se o galo-selvagem, estava muito longe de imaginar que um dia, cinquenta e sete anos depois e a mais de dois mil kilómetros de distância da sua caçada, um estado, um governo, bateriam um record difícil e original, o de conseguir aumentar por dezassete vezes consecutivas e em menos de cinco meses o preço da gasolina.

Os portugueses passaram a ter em média uma vez por semana e para quebra da monotonia das suas vidas, já de si tão pouco sobressaltadas de inovações, uma surpresa, quando, ou na ida para o trabalho, ou na volta para casa, a mula sofisticada que os carrega reclamava voraz, não maior ração, mas ração mais preciosa. Afinal o que na barriga do mamífero entrava era o mesmo, assim confirmava o mostrador das porções, mas o que saía do dono era mais, assim se queixava o erário doméstico.

O governo está de parabéns, nem tudo são coisas más, isso só para os pessimistas e para os derrotistas e para os deprimidos, etc. etc. etc., por ter conseguido o feito de entrar para o Guiness e logo em duas categorias. A primeira já se vê, foi aquele facto difícil e original em andamento prestíssimo, e a segunda, menos difícil e menos original, para de quem se trata, mas contudo igualmente logradora de record, foi a monstruosa mentira sob a qual aquele se monta e se juntarmos as duas ficamos com uma montanha combustível, perigosa e imprevisível.

E então não é que desta última vez as petrolíferas avisaram que o aumento era a partir da meia-noite, e lá vai o bom do povo para as bichas a ver se ainda poupa uns tostões, e os malandros a mudarem os preços às onze horas, e o bom do povo feito papalvo, e as gasolineiras a desculparam-se que a culpa é das bombas que são automáticas, e o bailinho a prosseguir e a música sem parar e a garraiada a triunfar e vai de vento em popa sem pudor que tudo é descaro e uma mulher que sai do carro e pede para a revolução não se atrasar porque senão quando vier só há ossos para guerrear…

Aqui há uns tempos recebi um e-mail do Manuel, o apelido fica para mim, salvo seja, que anda para aí muita represália, e loucos como eu que vejo o rei em pelota e tendo a fala desabrida dos heróis não me embaraço em titubeadas mas reclamo alto e a bom som pelo povo, incluindo neste os mudos de vontade, não têm que ser todos, digo, os loucos como eu, e por isso a ocultação do apelido do Manuel que então desabafava assim:

“Fui informado recentemente que os preços de uns produtos químicos comercializados pela empresa onde trabalho iriam subir novamente devido ao aumento do preço do petróleo. Todos os fins-de-semana meto gasolina no carro, e cada vez preciso mais euros para comprar menos litros de Super-95. Dizem-me que é por causa do preço do petróleo. Assim, fui à net buscar umas tabelas/imagens e comecei a fazer umas contas”.

Depois vêm uns quadros com muitas linhas, colunas e números, com os quais não vos maço, podendo sempre o espírito, ou curioso, ou desconfiado, imitar o Manuel e dar-se ao trabalho como ele de ir à net, portanto e continuando, para os que fazem fé, passo por cima dos quadros e vou á sua conclusão.

Então temos, dizia ele:

- Em 2000, um barril de petróleo custava 63 USD, ou seja, 70.00 EUR (1.00 Eur = 0.90 USD). Em 2008, um barril de petróleo custa 98 USD, ou seja, 70.00 EUR (1.00 Eu = 1.40 USD).

E remata:

- Gostava que me indicassem onde está a subida do preço do petróleo. Cada um que pense por si, mas eu acho que estamos a ser roubados pelos políticos e pelas petrolíferas.

Ah, esqueci-me de dizer que o título do seu e-mail era: “Uma instituição chamada mentira”.

E depois pensei para mim, que nestas coisas de matemáticas ou economias tenho que ir devagar; ora então o petróleo aumentou, é um facto, mas como o dólar se desvalorizou em relação ao euro, outro facto, o petróleo acabou por não aumentar face ao euro. Aumentou para os americanos, não aumentou para os europeus. Simples!

Será que eles, os políticos e, ou, as petrolíferas, ou os dois juntos, que é o mais certo, se aproveitaram da nossa ingenuidade para nos arrear, escondendo-se nessa fabulação esotérica que dá pelo nome de economia?

E fiquei a modos que embaraçado, muito embaraçado com a minha estupidez. Queria-me revoltar mas a estupidez atrofiava-me, pesava-me muito, pesava-me mais do que a revolta. E pensar que através do voto lhes tinha sancionado essa montanha de mentira. Isto está mesmo muito complicado!

Cambaleei para a net, que outro termo mais expressivo para significar o atordoamento estupidificante que ainda me possuía não me ocorre, para saber qual era o IVA da gasolina.

Mas não o devia ter feito, porque em vez de me sossegar mais enfermo fiquei. É que para além do IVA, já de si no máximo dos 21%, havia outro imposto, gordo e feio, que totalmente me siderou, chamado ISP, que encavalitado no primeiro dava à data a módica percentagem de 63,9%, o que significava que em cada cem cêntimos de combustível, 63,9 cêntimos iam directamente para o buraco do governo, que não do estado e que muito menos da nação.

Recuperando da minha estupidez que era demasiado estúpida, vinha-me uma nova inteligência que me fazia reconhecer que o governo, no fundo, acabava sempre por ter razão. De facto o combustível é um luxo, de facto todos os transportes são supérfluos, levar as crianças à escola, conduzir os doentes aos hospitais, abastecer os supermercados de comida, ir para o trabalho, ir para casa, ir, ir, ir que o homem fez-se para ir, pode muito bem ser tudo feito sem consumo de gasolina.

As crianças podem ir de trotineta, que até se divertem muito mais, os adolescentes e mesmo alguns adultos mais desempoeirados de skate, que até é muito mais saudável, os doentes de mula, que até tem a vantagem de ir devagar sem solavancos na calçada, a comida em carroças e para todas as outras necessidades e gostos ainda sobejam um sem número de escolhas, desde o triciclo e a bicicleta, que os há de muitos tamanhos e feitios, até a um infindável número de animais, que basta aparelhar, com a devida precaução da estética e funcionalidade, ao jeito do freguês e conforme o estatuto social, seja patrício ou plebeu, a idade, seja tenro ou esclerótico, o peso, tenha carnes abundantes ou magreza inconveniente, a jornada, seja curta ou cumprida, a ansiedade, com pressa ou sem pressa e o trajecto, seja por terra, ar ou água, por cidade ou por campo.