sexta-feira, 28 de março de 2008

15.O quadrado é a metáfora geométrica da cegueira política

Por várias vezes me interroguei sobre o mistério da obtusidade do político, e particularmente do político governante. Como é que fulano ou sicrano podia ser tão obtuso? Aqui falo apenas da inteligência e da estupidez deixando de fora a honestidade e a aldrabice. Que um homem inteligente seja corrupto é fácil de perceber, subiu-lhe a ganância à cabeça, mas agora esse enigma da burrice é que me desconcertava.

Até que um dia, nesses de obrigação que no fim acabam por saber bem, quando passeava no Jardim Zoológico com a criançada, ao olhar para a gaiola dos macacos fez-se-me luz e percebi tudo, foi uma inspiração, e criei num àpice a teoria da gaiola, também chamada do quadrado. Afinal o problema não era que o político fosse estúpido, até podia por acaso ser inteligente, o problema é que tinha a sua inteligência fechada numa gaiola, e por mais inteligente que por acaso fosse, os quatro lados, mais o tecto e o chão, bloqueavam a sua inteligência retirando-lhe a lucidez sem a qual aquela se torna estúpida.

Imaginem por exemplo que se dizia a um homem inteligente, que também os há na política, para descobrir a solução de um problema, desses da governação, com a condição de só poder pensar dentro de quatro paredes, mais o tecto e o chão, que representam baias à imaginação, ou dizendo de outra forma, com a condição de só poder pensar com metade do seu cérebro. Ora o homem, sendo potencialmente inteligente, bem poderia cogitar, puxar pela cabeça até se fartar, que o seu entendimento estaria à partida estreitado por essas quatro paredes, mais o tecto e o chão, ou por metade do seu cérebro, logo, a solução haveria de sair burra para quem, ou não estivesse limitado, ou usasse o cérebro por inteiro.

Imaginem-no agora ainda dentro da sua gaiola, a pensar, a magicar, a matutar… a procurar, a analisar, a demandar… enquanto pelo lado de fora passa um simples homem do povo, pode ser o guardador, ou o jardineiro, e vê o nosso político em tamanha consternação que lhe diz: «oh homem, o que procura está aí mesmo à sua frente!» e o primeiro, o enjaulado, com ar soberano, impávido e circunspecto, sem se desmanchar, olha para o lugar que lhe foi apontado e justifica-se «não, não pode ser, porque…» e a seguir vem caudalosa e obscura verborreia. O guardador, ou jardineiro, examina-o por instantes, mas logo desiste de tamanho bronco, e encolhendo os ombros resignado diz para dentro «coitado, está mesmo ceguinho». E o nosso, salvo seja, político lá fica entregue às suas fabulações intermináveis. Escarafuncha cada centímetro do seu buraco, cada direita e cada esquerda, em largura e comprimento, laboriosamente todas as esquinas do seu horizonte minguado, mas sempre dentro da gaiola, sem enxergar peva para fora.

E se mudarmos o dito de jaula, que é como quem diz, se mudarmos o político de poiso, ministério ou pasta, mas mantivermos as mesma regras, as tais de só poder pensar dentro das quatro paredes ou com metade do cérebro, obteremos, está cientificamente provado, o mesmo resultado: solução falsa ou bronca.

A culpa não é do político, coitado, a culpa é da gaiola. Não é o homem que é estúpido, é a gaiola que é castrante e tão castrante que a certa altura o homem se torna gaiola, digo quadrado, e já não é mais capaz de pensar ou fora dela ou com o cérebro inteiro, o que vem dar no mesmo. Se por um acto de caridade o tirássemos do quadrado, o que teria que ser um pouco à força porque nele já deitou raízes, iria sentir-se completamente desfasado, sem as referências das quatro paredes, mais o tecto e o chão.

Se ainda com abnegação, insistindo se dissesse «olhe vamos fazer um jogo; esqueça-se de que é político, esqueça-se de que está em Portugal, esqueça-se de tudo (que grande lavagem ao cérebro seria preciso para lograr tal asseio) e agora olhe para este problema e diga-me qual é a solução», se conseguíssemos o milagre de primeiro o subtrair ao seu meio ambiente, e segundo de o lavar todo, pô-lo fresco, qual virgem, talvez aí ele fosse capaz de descobrir a pólvora e exclamar extasiado «oh, afinal era tão simples!...» Porque enquanto o homem estiver dentro da gaiola não vale a pena dar-lhe a justa solução, como aconteceu no caso do guardador, ou jardineiro, pois ele nunca a irá reconhecer, inventando para a sua miopia mil desculpas de pormenor.

Assim se explica o mistério da cegueira do homem político, a imaginação curta, os pensamentos longos mas rasos, o permanente giro à volta dos pormenores em descaminho do essencial, as mesmas desculpas, os repetidos lugares comuns, as resoluções sem soluções… Este homem foi criador com seus comparsas da gaiola que agora o faz vítima, e nada vendo para fora daquela, desconhece que o mundo vai muito para além do seu quadrado. Por isso é que a diferença entre um político e um homem de estado é a visão.

A gaiola ou o quadrado é a escola de pensamento do actual regime político-partidário, a cultura dominante do politicamente correcto e admissível, cuja única visão é a de dois por dois, quatro metros quadrados, e a única preocupação, justificar porque não faz aquilo que verdadeiramente interessa fazer.

A cultura do quadrado é quando um político diz: «ah, não, bem vê, isso é matéria muito complexa, muito condicionada por muitos factores que muito importa reflectir etc. etc. etc. O nosso guardador, ou jardineiro, se ali estivesse facilmente lhe diria: «oh homem, não vê que isso está tudo podre? Deite fora e faça novo!» só que ele, o político, não sabe, nunca soube ou saberá fazer de novo, porque nunca aprendeu a fazer, não sabe fazer, não tem a coragem nem o engenho de fazer. Foi educado para escarafunchar no já feito e quase sempre no mal feito.

Assim disse o guardador, ou o jardineiro, com oportunidade e acerto. Assim o político, cheio de si, voltou costas e sentou-se no fundo da sua gaiola.

…e de repente tive uma visão: era uma fila interminável de gaiolas com bicharada de todas as cores e feitios numa algazarra interminável e discorde…