terça-feira, 25 de março de 2008

14.Sobre a Educação e a Formação

Educação elementar

Comecemos pelos rudimentos esquecidos.

Se vir um homem à porta de um elevador recuar para deixar passar uma senhora, ou estando sentado numa sala levantar-se para lhe oferecer lugar, se vir um jovem em situações idênticas, suster-se na primeira, abrindo a passagem a um mais velho, erguendo-se na segunda, cedendo-lhe o assento, se vir, tiver o azar de presenciar, qualquer destas cenas, não se assuste, são apenas dinossauros desfasados do seu tempo… porque se não estivessem fora de prazo, perdidos de validade, não se poriam com essas poses.

A rapaziada moderna, pelo contrário, sabe comer à mesa e falar com a boca cheia, como labregos, porque a isso chama-se neste tempo, que não o daqueles, ser natural, estar á vontade, não constrangido mas desinibido, sabe gritar quando lhe dá na gana, bem alto e de longe, por quem ou a quem pouco interessa, a pulmões cheios como se na quinta, porque a isso chama-se neste tempo, que não o daqueles, comunicação sem fingimentos, sabe aceitar calmamente que os seus filhos de dois ou três anos guinchem impunemente na pastelaria por qualquer capricho não atendido, porque a isso chama-se neste tempo, que não o daqueles, liberdade, valor precioso arrancado a ferros sobre a moral repressiva de então, e ainda sabe, quando os pequerruchos forem adolescentes, aprovar cheia de compreensão que eles lhe respondam torto como próprio da idade, e aplaudir a sua irreverência para com os professores, porque a isso chama-se neste tempo, que não o daqueles, igualdade e além do mais é a personalidade das crianças que se afirma.

Enfim, esta rapaziada moderna sabe muitas coisas, novas e melhores, já se libertou do pudor ou decoro, tanto na pequena como na grande coisa, preconceitos ridículos daqueles dinossauros, são mesmo teias de aranha, e sobretudo já se libertou do respeito, artefacto completamente fora de moda, obsoleto, exclusivo de caretas, porque a isso, ao disparate do respeito, chama-se hoje informalidade ou espírito desportivo, em inglês casual, como na roupa.

Só que às poses desses pobres dinossauros chama-se hoje, sempre se chamou e continuará a chamar-se, educação elementar, aquela educação de base e rudimentar que os pais devem, desde o berço, dar aos seus filhinhos e que apesar da sua singeleza pode fundar uma civilização, ou esbarrigar um amontoado de não sei o quê, por aqui começa a educação mínima que já muito rareia e quando existe destoa, tudo o resto vem em desmoronamento de alicerces nunca lançados, a derrocada percebe-se e tudo porque os pais deixaram de dar essa educação aos seus filhinhos.

Perdeu-se a educação elementar ou de base, primeiro problema da deseducação, aparentemente simples, desdenhado pela incultura dominante, de si deseducada, mas que leva como enxurrada tudo o resto de rojo.

Educação e Formação

Uma segunda nota sobre educação e formação, convencionando para melhor nos entendermos e como conceitos por detrás destas palavras, a significação para a primeira, de uma educação estrutural, do carácter e comportamento, a educação que é por si, a significação para a segunda, de uma educação técnica ou profissional, a educação, neste caso formação, que é em função da sua utilidade de troca, visando compensação económica. Assim usarei educação e formação sem enganos de sentido.

Parece evidente, por demais, que a educação deve anteceder no tempo, idade, e na importância, prioridade, a formação, porque a educação fundamenta-se e orienta-se por valores, da pessoa, da comunidade, da civilização, desejavelmente ontológicos e como tal intemporais, como o são por exemplo, a ética, a liberdade, a justiça, e visa, se quisermos introduzir a filosofia, realizar o homem na felicidade.

Enquanto a formação sucede-lhe, vem depois, por lógica de coerência deve estar-lhe sujeita, contribuir naturalmente, sem violentação nem alienação do ser, como um meio e nunca como um fim em si, para consumar em comunidade os desígnios últimos daquela, a felicidade do homem social.

A educação é estrutural, lança raízes no âmago do homem, faça ele o que fizer, tenha a profissão que tiver; a formação é conjuntural, depende da cultura da sociedade que a condiciona, ou da falta dela, da própria actividade ou profissão e da organização das relações de produção dessa mesma sociedade.

Se bem que a formação, sempre que ao serviço da educação, é natural, não violenta nem aliena, cumpre o homem, satisfaz a comunidade, realiza a ambos. É a formação, leia-se profissão, que surge como missão do ser, que o ergue, dá-lhe potência e virtude.

Lembrando-me da matemática a educação ocupa numa equação a condição necessária e a formação a condição suficiente. A educação é condição necessária mas não suficiente, a formação é condição suficiente mas não necessária (que em matemática se lê ao contrário, como necessária). O ser e o fazer precisam-se mutuamente.

E assim temos o homem completo, educado, o que constitui a sua base para ser, e formado, o que constitui a sua ferramenta para fazer.

Formação e Educação

Ora, apesar de assim presumido, é ao contrário que se apura.

Esta prioridade da educação sobre a formação, sendo de mero bom senso e na teoria por todos validada, é na prática quase por todos subvertida. A formação, escrava do desenvolvimento e do progresso, conceitos perigosos voltados contra o homem, é puxada e moldada pela deusa economia, e a política, suposta ao serviço do homem, vende-se, melhor, salda-se àquela diva e engendra formações técnicas a torto e a direito, estéreis e descartáveis, a todo o momento e segundo o momento, para o que está a dar…

Procura-se a todo o transe refabricar o homem, de poder ser, tirando-lhe a educação, em sendo máquina, pondo-lhe a formação, porque o que interessa é um homem formado e não educado, este até pode tornar-se perigoso se um dia arvorar a ética sobre o lucro, o que interessa é um homem sobretudo útil, sobretudo competente, isto é, exclusivamente produtivo, de resto a produtividade economicista é a grande mística da política de educação.

Não se educa na ética, forma-se para a produção, não se educa o carácter, forma-se para a utilidade, não se educa o comportamento, forma-se para o expediente, não se educa no respeito, forma-se no atropelo, não se educa para sempre, forma-se para a circunstância

Nas escolas, por culpa exclusiva dos programas e não dos professores, o que importa para o governo são as estatísticas da alfabetização e não a cultura, que são coisas muito diferentes, pode-se saber ler e escrever e ser inculto, pode-se ser analfabeto e ser culto. Nesta tirania contra o homem só o professor, qual herói entregue a si, lutando contra moinhos de vento, fará a diferença.

Querem criar robots, não homens. Criamos para a economia, não criamos para a civilização.

Ao contrário do que pensavam os gurus, melhor comportamento traz mais produtividade do que melhor técnica, a técnica passa o carácter não. A própria economia, esperta como um camaleão, descobre a pólvora, infelizmente pelas razões erradas, as de maior exploração, distinguindo entre competências técnicas e competências comportamentais, percebendo que as competências técnicas já não chegam e de pouco valem sem as competências comportamentais, nome pomposo para uma coisa velha que sempre chamou e chamará de educação.

Voltando à equação matemática, não basta fazer bem, condição suficiente, é preciso saber ser, condição necessária.

Sobre a educação elementar, de pequenino é que se torce o pepino, há que erguer a educação estrutural, para que o homem venha íntegro, e sobre esta e por esta ordem se forjará a formação, para que o profissional se faça competente e assim o edifício se conclua em harmonia e solidez.

Medida 7 - A Educação como o Quarto Poder

E ao governo compete ser engenheiro capaz desta construção, deitando mãos não a quatro reformas pois o edifício reparações ou concertos já não aguenta, mas a quatro revoluções pois é de um giro a cento e oitenta graus que o país clama. (Veja-se em complemento a medida 6)

E a primeira revolução é a de encacholar, enxertar na cachimónia semente duradoura e profícua, que os faça pensar de fresco e de uma vez sem recuo, como se outra cabeça ganhassem, que a educação, incluindo agora nesta a formação, é um sector estratégico do estado porque nele se funda ou afunda o futuro da nação e daí perceberem, sem mazela de certeza, que a sua guarda, defesa, orientação e organização só ao estado competem. Percebessem, acreditassem, fizessem sua convicção, missão e bandeira, que a educação é um dos mais importantes capitais ou activos do país e honrando-a, a servissem com zelo, como coisa querida e amada, que para menos é pouco, juntando-lhe determinação e temperança.

A segunda revolução, e fiéis a este amor, é a de reporem a ordem natural das coisas, primeiro a educação, segundo a formação, reflectindo todos os programas escolares, desde os pequeninos aos grandes, este valor e esta vontade, primeiro o ser, depois o fazer. Que não se ensine o direito antes da justiça, que não se ensine a medicina antes da ética, que não se ensine a engenharia antes do respeito, que aqueles não são exclusivos daquelas, têm que ser ensinados em todas, aqui dei meros exemplos para me entenderem, de que é que nos interessa um aldrabão apesar de pedreiro competente, de que é que nos interessa um malévolo apesar de físico arguto, etc. etc. Primeiro educar a atitude que irradia o valor, depois formar a habilidade que retrata a competência.

A terceira revolução, neste bom caminho prosseguindo, é a de levantar o olhar do escolho imediato para o horizonte histórico, alongar a vista da circunstância para a civilização.

É completamente ridículo que se refaçam políticas de educação a cada quatro anos, prazo inferior à própria duração dos cursos, como se de uma campanha de um novo modelo automóvel se tratasse, ou como se durante uma cirurgia de seis horas se parasse a meio pretendendo recomeçar, só pode ser andar a brincar, inconsciente, inconsciente não sei… e irresponsavelmente, com uma coisa séria, e por aqui fica a prova clara da importância que o regime e os governantes dão à educação, um mero novo modelo de automóvel, que os há, apesar de tudo, com maior duração.

A educação é empreendimento bem mais grave, nela se forja o futuro das gerações e o futuro da nação, para horizonte tão escasso e descuidado. Deve-se educar para o século e não para o ano, para a civilização e não para a circunstância, para o ser e não para o ter, que se domestique o fazer ao ser, a selvajaria mercantil aos interesses e valores de fundo, estruturais, de outra forma as crianças, os adolescentes, e os adultos serão meras marionetes, joguetes nas mãos prepotentes do poder económico e seus esbirros, os políticos.

Por estas três boas razões, fazer da educação sector estratégico do estado, proclamar a educação mãe da formação e orientá-la não para o momento mas para o sem momento, surge a quarta, natural e inevitável: a autonomia e independência da educação. É evidente que a educação, com E grande, tem que se libertar, sair fora, das vistas curtas administrativas e burocráticas de um qualquer executivo, e constituir o quarto poder na separação de poderes do Estado de Direito. Tem importância crucial e com isso massa crítica, não podendo estar sujeita a demagogias político-partidárias, a desvarios de conveniência, a caprichos de gabinete, a incompetência de subalternos (a este propósito leia-se 13.”Um naco de prosa” retracto confrangedor dessa teia glutona administrativo-burocrática). A matéria tão delicada que corresponda poder inteligente como permanente, que estude em extensão e projecte em profundidade, com visão de estado.

No tocante à organização já o referimos anteriormente: um Código da Educação e um Concelho Superior de Educação formado nunca por políticos mas por um colégio de sábios, que os há e bons.

E mais não há que especificar, porque quanto aos problemas o que importa são ideias boas e claras, porque quanto aos pormenores haverá de àquelas sujeitá-los, e digo isto porque normalmente o velho do Restelo é dos pormenores que faz complicação.