quarta-feira, 21 de maio de 2008

27.Cenhora menistra - João Aguiar

A gente vai-se entendendo, com um ou outro sopapo nos professores, sinal apenas de espírito de iniciativa e de saudável energia física.

Vânho com esta agardecer a voça escelencia akela koisa de não ligar puto à hortugrafia nos isames do 9º.anu i de não ter metido nelex aqueles xatus do Camões i do Jil Vissente e de a perova ser bestialmente fássil. Eu já não benefissiei porque akabei a xatisse dos estudos e tou agora num dakeles empregus purreiros oferessidos pelo cenhor menistro da ikonumia, mas a minha irman Katia Vaneça fês u isame i gostou muito. Ela não pressisa de hortugrafia pra nada, já tá a fazer istájio numa kasa de alterne muita fixe, pagam bem i ela nem tem de falar, kuanto mais eskrever.

Também kero agardecer, cenhora menistra, ke os isames do 12º.forão bué da fásseis, cem ninhuma gramatika, purke u meu irmão Xico us fês e kurreram lhe muitabem i ele nem estodou nada todu u anu, a bem dizer, purke já ganha a vidinha komo diller i então não tem tempu pra essas xatisses. Pra ele livrus e gramatika, jamé, jamé. I então eu keru ka cenhora kontinui acim, ke vai muitabem. a) Juzé da Cilva, i.v.l. (Inginheiro Verdadeiramente Lissenssiado )

Este documento, comovente e palpitante, foi-me cedido por um parente em vigésimo segundo grau de um alto funcionário do nosso Ministério da Educação, depois de um jantar muito bem regado, quando ele já estava claramente com os copos e balbuciava uma velha canção do desaparecido Hervé Villard: “Nu niron plus jamé”…(ortografia francesa modernizada e melhorada pelos do nosso sobredito Ministério; em francês não-corrigido, seria “Nous n’irons plus jamais”)

Interrompendo a cantoria e colocando nas minhas mãos a carta acima transcrita, ele disse-me, entre soluços: “Leia, meu amigo! Veja como esta nossa ministra é popular, como a juventude a estima e apoia! E a juventude é a promessa do futuro! Hic!”. Eu li a carta e pensei logo que devia dá-la ao conhecimento dos leitores. Porque é edificante.

Segundo o mesmo parente em vigésimo segundo grau me confidenciou, o jovem autor da tocante missiva, além de preencher, como ele próprio informa, um daqueles postos de trabalho prometidos em boa hora pelo senhor ministro Manuel Pinho, vai também integrar uma comissão que deverá promover (segundo ouvi na TV) maiores contactos entre professores e alunos, uma medida destinada, especificamente, a evitar que os segundos agridam os primeiros. A coisa é assim: parece que se multiplicam, nas escolas, os casos de indisciplina e de agressões a docentes. Um espírito tacanho pensaria logo que se impunha um reforço da disciplina e da autoridade da escola, já que, por exemplo, hoje em dia é legalmente muito difícil, e sobretudo moroso, punir um aluno insolente ou violento. Mas isto, repito, é o pensamento de um espírito tacanho. O que é preciso (e felizmente houve quem o entendesse) é multiplicar os contactos entre alunos e professores. Se não der resultado, servirá, pelo menos, para melhorar e aumentar as oportunidades de aqueles baterem nestes – fora do tempo de aula, está bem de ver, para não prejudicar o ensino.

Lendo todo este arrazoado, alguém dirá, criticamente: “Pois, pois! Ele está a defender a sua classe!”. A quem o diga, respondo (ou repito, já nem sei bem) que nunca na minha vida fui professor, nem perto disso. Acrescento que estou muito consciente de que muitos, muitos dos professores do nosso país se encontram na profissão errada (tal como muitos, muitos dos nossos actuais senhores ministros se encontram na função errada: adiante, não falemos de mais misérias. Jamé.).

No entanto continua a ser também verdade que há professores magníficos. Continua a ser verdade que o Ministério tomou uma decisão anticonstitucional, como declarada pelo respectivo Tribunal, que com essa decisão prejudicou vários alunos e que não parece nada preocupado com isso; continua a ser verdade que a tão falada TLEBS não passa de uma tontice inútil destinada a confundir o que deveria ser claro; continua a ser verdade que a concepção adoptada, não só nos exames como na prática do ensino, em relação à ortografia em particular e ao Português em geral, é um atentado contra a inteligência, contra a nossa língua e contra a nossa cultura, cometido por um departamento estatal chamado Ministério da Educação.

Vejo-me obrigado, a tal propósito, a recordar uma história já contada: aquela do professor de Física, dos tempos do antigamente (anteriores até, julgo, ao Estado Novo) que dava pontuação zero ao aluno que, num teste, escrevesse “trezentas gramas” em vez de “trezentos gramas”, porque, explicava, com inteira razão, trezentas gramas são trezentas plantazinhas que, juntas, formam um gramado. Temos aqui duas concepções opostas: uma, a da educação integrada, em que os professores do ramo científico querem e sabem corrigir erros de Português ou de História; outra, a actual, promotora da geral ignorância. em que não importa nada escrever que dôes e dôes são cuatro, o que é preciso é que a gentessentenda.

E a gente vai-se entendendo com um ou outro sopapo nos professores, sinal apenas de um certo espírito de iniciativa e de uma saudável energia física. Quem, no actual sistema, poderá pensar que isso é negativo?

Como diria o senhor ministro Mário Lino, Jamé.